O que se faz na Maçonaria?



Ir. Almeida

Os muitos temas que circulam a prática maçônica: o que fazer?[1]
Os temas que se apresentam no cotidiano da prática maçônica, isto é, durante os rituais e convivência com os “hermanos”, são vários e do interesse de todos. Temas que são instigantes, que apontam para trilhas do conhecimento das coisas, enfim: é instigante e exerce um certo fascínio sobre o indivíduo que procura conhecer um pouco mais sobre as coisas, a vida, as forças que compõe a sociedade, as forças que compõe as entranhas das coisas.

            Precisamos, porém, pôr um pouco de ordem nessas miríades de possibilidades. Não que sejamos defensores da “ordem e da a lei”, mas é que nós humanos nos sentimos melhor quando conseguimos dá ordem às coisas. Não dá para falar de tudo e todos numha só vez. Aliás, quando tentamos fazer isso acabamos por não fazer nada. Nas temáticas, que se apresentam a nós “Pedreiros Livre”, temos de ter esse cuidado sob pena de sermos uma patética associação de homens fantasiosos. A tríade SABEDORIA, FORÇA E BELEZA certamente já nos advertem que em matéria de conhecimento é preciso equilibrar as forças que investigam acerca do que é o real que nos rodeia. Contudo, apesar de ser nos familiar essas admoestações, fato que se nos debruçarmos atentamente nos Manuais iremos perceber em várias ocasiões, é corrente entre nós os anacronismos que tem feito da Ordem apenas uma sociedade reprodutora dos mais toscos clichês midiológicos.
            Ainda no preâmbulo de nossa exposição, a internet veio corroborar com os achismos e opiniões (que em grego é doxa). Somam-se, ainda, algumas editoras que publicam um amontoado de opiniões que faz mais bem ao curioso do que a quem quer ir um pouco além.
            Desse quadro de opiniões temos que ter em mente que o conhecimento que rege nossas vidas é algo distinto de meras opiniões, curiosidades. Conhecer é mais complexo, conhecer, apesar das tecnologias (canete, impressa, computador), ainda é um processo muito parecido desde uns 2500 anos. Aliás, o modo como conhecemos necessariamente vai para frente com a invenção de mais uma tecnologia. Essa fantasia que se propaga entre nós de que computador e a informática acabam com nossos problemas, trata-se de mais uma das opiniões fantasiosas dos nossos dias. Sendo perfeitamente classificada ao lado de afirmações do tipo: no Brasil não tem terremoto porque tem formiga; não se pode comer manga e depois beber leite....
            Uma outra coisa que está no interior do conhecer é que ele, o conhecimento, não nos garante poderes sobre a realidade. Se o percurso para conhecer não é algo simples e rápido como “hamburguês”, atuar sobre a realidade, também, não é algo simples como dizem os livros de auto-ajuda. Não se trata de ser um chato que desestimula os “hermanos” a senda do conhecimento, mas apenas alguém, como diz um ditado popular, a dizer que o buraco é mais embaixo. Esse fato, de que o conhecer e atuação na vida não são fáceis, por outro lado, pode nos comunicar algo alegre. Imaginemos se todos nós, num estalar de dedos, conseguíssemos agir no real? Se alguém conseguisse parar o tempo, para resolver um problema no Banco, ou voltá-lo? Mas isso não reduz por completo a vida do homem, nós temos liberdade, só não é algo a bel prazer, que se compra no livro do “pop star” do momento. Parece que a liberdade é saber conhecer bem o jogo do real, saber onde, quando, o momento certo para se inserir em um dado movimento e dele extrair o que lhe for de interesse e próprio para a vida.
            Já estamos caminhando em nossa proposta. O conhecer é algo que exige paciência e persistência e pode ser utilizado para nosso existir ser mais humano. Temos que apenas tomar cuidado para não confundir qualquer coisa com conhecimento (em grego episteme).
            Esse caminho ainda não se esgotou, para esse momento basta dizer que ele é importante e que podemos tratá-lo em outra época. Nosso tema é exatamente os muitos temas que circulam na nossa convivência maçônica e que para melhor lidar com eles temos que saber a diferença do conhecer (episteme) e da opinião (doxa).
            Uma vez claro que o profícuo é o conhecer e não a opinião teremos percebido que não dá para fazer maçonaria de opiniões e reproduções de bordões televisivos. Essa prática, por exemplo, leva a Ordem a posições ridículas como a de ter apoiado Fernando Collo de Melo para Presidente da República, sendo cúmplice com toda a sacanagem nada democrática impetrada pela Rede Globo que culminou na eleição de indivíduo medíocre para governar o país. O erro foi exatamente que a Maçonaria reproduziu idéias alheias, não pensou. A questão não é que a Ordem não deva ser política, ela pode e deve ser uma Instituição de formação política. O que não deve ser é “cabo eleitoral”. Aliás, a diferença de ser formadora de pessoas políticas e de cabo eleitoral consiste exatamente no conteúdo, isto é, o político é aquele que conhece os processos da política, de como se dá as disposições das forças que compõe o tecido de uma da sociedade; reconhece, também, que o homem é um ser essencialmente político, não vive ser se relacionar e é nessa esfera onde ele pode, por assim dizer, demonstrar que é humano e não animal meramente biológico.(zôo-biologikon). Seja no trabalho, no condomínio, na Ordem, ele sempre se relaciona. Já o “cabo eleitoral”, por outro lado, no seu sentido tosco, é o famoso “maria-vai-com-as-outras”.
             Pensar, portanto, deve ser o culto maçônico, reproduzir chavões não é pensar. Os temas, os vários temas, devem ser jogados nesse estomago, donde serão ruminados, na paciência de uma vaca. E aí veremos o descortinar de truques que estão escondidos nos chavões da mídia. Essa pressa que se cultiva nos grandes centros urbanos é só um truque para exercer o poder. A chuva de informações, potenciada pela Internet, serve a um único propósito: desinformar, confundir, entreter, nada alem disso.
            Pacientes, então, é que devemos pensar os temas e assuntos na Ordem. Primeiro, é preciso estudar os manuais. Segundo, é preciso saber usar os manuais na formação do aprendiz e do companheiro. Terceiro, é preciso saber os temas básicos que fundamentam a maçonaria.
            Dos três temas que pontuei acima, que passo a falar deles agora, penso que consigo “botar” todos os demais dentro deles como se fossem três caixas de classificação. Não se trata, evidentemente, de um cânon, de uma regra, são apenas idéias para dá ordem aos milhares de temas que polulam no dia-a-dia da Ordem.
            Acerca do primeiro, temos que estudar com paciência todo o manual. Saber, aliás, que existem outros ritos. Saber a diferença entre eles, ao menos a básica. Aqui há a seguinte questão: como aprendiz e companheiro estuda-se a finco o ritual que a sua Loja pratica, quando mestre você poderá comparar com outra uma vez que você já tem familiaridade com o seu rito de origem. Ainda nesse primeiro passo, o exame dos manuais devem ser feito de modo a revelar o seu conteúdo “oculto” “que não é o significado das letras abreviadas. Deve-se, por exemplo, ficar atento com a relação dos conteúdos aí existentes com as tradições filosóficas e com a tradição judaico-cristão. Para notar essa relação é só tomarmos os textos de filosofia da Grécia Clássica, no século V a.C, e veremos notória relação órfica, pitagórica, platônica com o conteúdo de nosso manual de aprendiz. Ainda mais notória é a relação das Escolas Filosóficas helenistas dos Estóicos. Dessas tradições temos vários elementos que no que se refere a compreensão de mundo, moral, alma e por aí vai. A própria iniciação faz menção direta a essas tradições. No manual de companheiro, temos vários esquemas dos antigos: estudar as sete artes liberais: Lógica, retórica, gramática, aritmética, geometria, música e astronomia. Só aqui já temos muito que fazer. Certamente isso seria estudado em 3 anos de estudos sistemáticos.
            Temos que ter ciência da importância dessas matérias para os dias de hoje. Não se trata apenas de um professor, que o caso desse escriba, projetando um olhar viciado que só pensa no mundo tendo a sua escola como parâmetro. A coisa vai, certamente, além disso. Apesar das coisas novas, a ciência dos antigos ainda é importante e subjaz as entranhas das pirotecnias modernas. Sem os conhecimentos da matemática que seria dos processadores? Sem um filosofo moderno, Leibniz, século VXIII, não seria possível o computador. A questão não é substituir o saber atual, mas apenas reconhecer que ele é a base do presente e procura, com o seu reconhecimento, potencializar o presente.
            Do primeiro tópico temos muito mais coisas, nesse momento apenas mostramos as possibilidades que há aí. Agora passemos ao segundo, que é a formação dos “hermanos” aprendizes e companheiros. Precisamos, a cada dia, tomar consciência do quanto é importante esse processo. Nossa ignorância, descuido, falta de sinceridade espiritual, nesse assunto pode fazer com profanemos algo sagrado que é o outro.  A sinceridade de espírito que alguém se coloca para ser iniciado não pode ser tratado de modo jocoso, sem preparo, feito nas coxas. Profanar, grosso modo, é algo que se dá do seguinte modo: alguém toma posse de alguns manuais, palavras, gestos e pensa que com isso já se esgotou toda possibilidade de um dado assunto. No nosso caso o “cabra” pensa que já sabe tudo sobre os mistérios da Ordem. Essse indivíduo se estaciona no meio do caminho, fica estanque, não deixa passar mais ninguém. Depois de algum tempo ele começa a depreciar essas novidades e passa a desqualificá-la dizendo que não há nada ali e nem para frente. O profano é aquele que diz que não há um grande mistério na existência. Ele esvazia esse mistério. Diz para todos que não há um além, mas um mero agora. O profano é movido por uma energia de esvaziamento, simplificação, pasteurização das coisas. A decadência do profano é algo que começa no âmbito das palavras e idéias e logo passa para a esfera da moral, para a ação. No ponto agudo da profanação esse “cabra” faz da Loja uma local para entregar seu cartão, contar suas epopéias, enfim, cultivar seu ego tosco. Podemos, então, notar que o profano pode estar na Ordem ou não. Quantas pessoas são profanas, profanam a vida, coisa mais sagrada que podemos ter.
            A formação dos demais “hermanos” de Loja deve ser feita de modo planejado. Não dá para pedir trabalho alheatório, e receber qualquer coisa “baixada da Internet”. O vigilante que detém o Nível na mão deve ficar atento, o importante na formação do aprendiz é que ele perceba que o seu condutor tem firmeza e certeza na condução de sua formação. Nessa fase a apreensão dos elementos que compõe a Loja deve ser feita de modo criativo, a ritualística deve ser apreendida de modo correto. Aliás, ao lado do conteúdo do manual, o ritual nessa fase de formação do maçom constitui o principal processo de aprendizado de uma Ordem Iniciática. Nosso truque está exatamente nisso: ritual. Não somos uma “escola” que forma o intelecto fazendo uso apenas do “olhos” e “ouvidos” para ensinar algo. Utilizamos todo o corpo como fonte de aprendizado. Esse “utilizar” o corpo para aprender algo é diferente não só no processo de aprender, mas, também, na forma que o iniciado se comporta na vida. Pode-se dizer que essa formação é muito mais eficiente do qualquer outro método. Podemos notar, como no caso do profanador, que esse modelo de escola é restrito, mas não é exclusividade da Maçonaria. Os seminários de formação da Igreja Católica, nas religiões de tradição Afro-brasileira (Umbanda e Candomblé), formação nos grupos de teatro, os Sufis na tradição Islâmica. São exemplos de escolas que fazem uso do corpo por inteiro com instrumento de aprendizado.
            Ainda no segundo tópico, a formação não pode ser algo ligeiro. Deve constituir um assunto bem planejado para evitar exatamente as opiniões e os comentários superficiais acerca de qualquer tema, dentre os vários que saltam no cotidiano da Loja. Se do aprendiz temos o que acima foi dito, imaginem o papel do Irmão que detém o prumo na mão. Uma vez despertou para o conhecimento, o companheiro, desprende das condições mais sensíveis e agora fica na posição de consciente da condição de ser pensante e se lança na odisséia do conhecimento. Exige-se desse irmão, segundo vigilante, que tenha conhecimento de fato do que se propõe a esse grau. O deixar passar desapercebido por essa etapa de formação é, exatamente alimentar as superstições, os clichês que demonstramos não ser pertinentes para a vida. Qualquer jeitinho para eximir do Irmão responsável por essa coluna é “sacanagem”. Se por ventura não souber, procure saber.
            Observa-se que ao mencionar no segundo tópico sobre a formação dos “hermanos” em Loja fiz menção apenas ao aprendiz e ao companheiro. Mas e o mestre maçom? Contudo, pode-se, nessa altura da reflexão, notar que ao instruir o outro Irmão o Mestre é o que mais tem de se instruir, ler, escrever, etc. O Mestre é aquele que estuda mais, pois estuda o manual de aprendiz e o de companheiro por várias vezes e é dessa lide que irá brotar a sabedoria. Será lidando com os aspectos mais corpóreos da formação do aprendiz ou dos aspectos mais intelectuais, da gnose do companheiro que irá brotar a sabedoria. A imagem de uma espiral apresenta bem esse processo de conhecimento. Aparentemente o Mestre visita o mesmo manual de aprendiz e companheiro, mas só na aparência, pois ele estará sempre ampliando mais sua compreensão. E é isso que pode ser chamado de compreensão e sabedoria.
             Vamos, agora, passar ao terceiro tópico. Mais uma vez, porém, vale lembrar que não esgotamos o segundo bloco de nossas reflexões. Apenas abrimos uma “picada” na mata e apontamos que nessa direção um vale de possibilidades.
            O terceiro veio temático proposto é a dos temas que são básicos na compreensão do que é a Maçonaria. Com isso penso que é preciso situar a Maçonaria não apenas com uma linguagem ingênua de “Instituição Filantrópica”. É preciso, e é possível, tratar essa Instituição de modo profissional. O ufanismo ingênuo e tosco, as listas de maçons famosos, o elenco de traços geométricos na arquitetura dessa ou daquela cidade, é algo enfadonho e ridículo, beira a uma fantasia de adolescente. O pior é que com isso não honramos os ditos maçons famosos, que de fato produziram feitos para a humanidade. Foram, no seu tempo, pessoas exponenciais que trabalharam e não reproduziram idéias, mas assimilava-as e produzia outras, novas e de vanguarda.
            Para tratar de modo sistemático e profissional a Maçonaria é preciso de um conjunto de práticas que devam ir além da Loja. Deve-se pensar o entorno da Loja. Antes de enumerar quais seriam os temas básicos para compreender o que é Maçonaria, é preciso ter em mente que a plenitude da seção só pode ser efetivada se houver esse “entorno” da Loja. Nesse espaço devem acontecer com freqüência semanal atividades culturais que envolvam a família, deve haver grupos de estudo, atividades artísticas para os sobrinhos. Uma obra social, também, torna-se necessária, pois será aí que de fato nos conheceremos como participantes de uma Instituição filantrópica. Enfim, o templo deve funcionar como um catalisador da comunidade maçônica que se forma no entorna de uma Loja. Será desse bojo efervescente que brotará uma reflexão consolidada e não mero devaneio de bacharel em direito sobre maçonaria. Aqui, obviamente, o problema não é o bacharel, utilizamos essa insígnia apenas para denotar um dado tipo de pensamento que comumente é da lavra de tais profissionais muito freqüente no quadro da Ordem.
            Posto as condições de um pensar maçônico sério, sem o qual não adianta tentar outra coisa sob pena do mero balbuciar de besteiras, passemos aos temas fundamentais para compreender a Ordem.
            Façamos uma tempestade de temas que são: época medieval, liberalismo, iluminismo, comunismo, cristianismo, mística, messianismo, Filosofia Moderna e Renascentista.
            Quanta coisa! Já adianto que isso é serviço para uma comunidade numerosa. Não dá para pensar como atividade de uma pessoa. Necessariamente isso tem que ser um projeto coletivo, de uma Loja inteira e, depois, de outras Lojas.
            Dos temas acima, passo agora, a falar de dois. Liberalismo e época medieval. Penso que esses dois estão ainda mais na base, pois eles são os que podem nos ajudar a compreender o cerne do que é a Maçonaria e se a partir de sua essência é possível pensar, sem cair em contradição, uma Loja que queira dar outras feições a prática maçônica e não a atual de mera reprodutora de bordões e clichês.
            O que coloco é: a atual Maçonaria é deste jeito, e não de outro, por se tratar ser Ela uma Instituição Liberal e, portanto, reprodutora do macro-social. Não havendo contradição alguma no atual quadro da Maçonaria Brasileira e Mundial? A maçonaria seria, portanto, uma associação liberal? Precisam para dar continuidade a essa reflexão saber o que é Liberal. Sua história, sua ascensão ao pode nos âmbitos econômico e político. Como se deu efetivamente a revolução Francesa, feito eminentemente liberal e que a maçonaria diz ser ator principal. Como se constitui hoje o que chamamos de neoliberalismo. Enfim, também, um caminho a ser investigado em detalhes em outro momento.
            De modo rápido, e que nos serve para o momento, uma das principais características, entre outras, do liberal é o papel do indivíduo. Aliás, a própria idéia de indivíduo só surge com o liberalismo. O liberal, portanto, reserva papel fundamental para o indivíduo que age sobre a natureza e tudo o mais que o cerca. Grosso modo, a máxima do liberal é deixar o individuo fazer as coisas, para não dizer o que quiser. Cabe ao Estado, a Escola, a Igreja, o Exército, subsidiar o indivíduo para que ele possa agir de modo pleno no tecido social. Uma outra forma de dizer o que é o liberal é nos remeter a imagem do profissional liberal, médico, advogado. Nesse contexto podemos notar que não há mais projeto de uma coletividade, mas apenas o do indivíduo. Até mesmo quando se pensa o Estado burguês iremos notar que se trata de um conjunto de coisas que sempre tem por fim o indivíduo. Esse modelo de governo e vida tem como seu interlocutor o período medieval, o governo dos Reis Soberanos. Daí ser, entre outros motivos, importantes compreendermos o período medieval.
            Antes de passar para o período feudal, outro elemento que se manifesta no interior da Maçonaria, façamos nossas amarras sobre o elemento Liberal que se manifesta na Ordem. Pode-se, então, fazer já uma pausa e dizer que a Maçonaria como Instituição Liberal por excelência não consegue fazer projetos no seu seio, como por exemplo, uma Universidade Maçônica do Brasil, por se preocupar ela com o indivíduo. Atuando junto à mente desse, ela estaria, no bom e velho estilo liberal, resguardando o indivíduo que é “livre” para agir em sociedade. A Ordem não se proporia, por principio, em ser uma instituição que ocupasse o lugar público, mas deixa esse espaço para que o indivíduo possa, por exemplo, ter a sua Faculdade e ganhar seu dinheiro. Por princípio, então, o indivíduo e os interesses individuais, é que devem reger as ações da Ordem. Entrar em confronto com isso, promovendo projetos que apregoam um certo coletivismo, é atuar contra a própria razão de ser da Ordem.
            A possibilidade acima aventada não é uma afirmação. Mas parece ser uma possibilidade denotativa do que subjaz as entranhas da Ordem. Se tomarmos esse postulado liberal, todo trabalho teórico, que não é interesse do indivíduo liberal para ser utilizado imediatamente no mercado, deve ser feito por alguém vinculado a algum centro de excelência acadêmica pago pelo Estado. O indivíduo vê no Estado aquele que faz o serviço chato, mas necessário. Como esse negócio de pensar, de produzir o pensar, a fundamentação teórica dos propósitos burgueses liberais, dá trabalho, é demorado, então, cabe ao Estado se incumbir disso.
            Notamos, portanto, que há um contra-senso no ar. De um lado uma Instituição herdeira do liberalismo, do outro esse mesma instituição encontra-se cambaleante e carente de uma fonte que a fundamente, que faça os devidos processos de atualização, sistematização teórica... A Maçonaria propagadora do liberalismo estaria em cheque? Seria um fantasma? Já teria se cumprido suas finalidades, e agora não lhe resta mais nada, apenas alguns saudosos a estaria levando-a em frente? Como instituição liberal, porque a Maçonaria não faz uso das instituições do estado para se perpetuar, aperfeiçoar, enfim, fazer o que os banqueiros e industriários fazem.
            Desse panorama de uma Ordem liberal e da contradição: ora é liberal, mas na hora de utilizar o expediente dos liberais a mesma é excluída, passemos a outro tema. O liberal não se encontra solucionado, apenas trouxemos um problema.
            Apesar de ser liberal a Ordem também carrega elementos que remontam ao período medieval. Comumente pode-se notar na literatura ingênua referências de que a origem da Ordem se perde “nas brumas da Idade Média”. Desse período é notório entre nós a hierarquia, as relações “Institucionais” por assim dizer, os modos como se concebe títulos e por aí vai. Faz-se, portanto, no interior da Ordem uma série de menções oriunda das relações sociais do período medieval. A idéia que mais plasma essa influência é a de confraria, cavalaria. Elemento que sofre suas mutações e vira as guildas e dessas as associações de profissionais liberais. 
            Da Idade Média a Ordem carrega essas metamorfoses que são complexas de analisar e nesse momento só vamos demarcá-las de modo geral.  Um outro fato sobre a herança do medievo na Ordem é essa idéia de Instituição. Idéia que encontrava naquela época a Igreja Católica Romana como referência. Fato que leva, ainda hoje, a Ordem a se comparar com a Cúria Romana. Contudo, é de se pensar até que ponto é possível chamar a Ordem de uma Instituição como a Romana. Em termos de consistência, consolidação, enraizamento, é risório comparar a Maçonaria com a Igreja. A questão aqui tem o seguinte fundamento: por instituição não se compreende apenas uma placa indicativa, pendurada na entrada, mas um conjunto de “coisas” simbólicas e materiais. Nesse aspecto conta não só as construções físicas, mas simbólica, também. O mais importante é exatamente esse alinhavo. No caso da Ordem Maçônica, como exposto anteriormente, ela além de ser tímida, tem como fundamento a filosofia liberal-iluminista que apregoa o indivíduo, mesmo quando reúne, ou formula teoria de Estado, o que subjaz é o indivíduo livre. Mesmo reconhecendo que lá em Conselheiro Pena, cidadezinha do Leste de Minas, tem uma Loja Maçônica, a questão é mais profunda. Trata-se mesmo da consistência teórica do conglomerado de Lojas. A afirmação de que a Ordem não é uma Instituição do tipo da Católica Romana, é, portanto uma constatação e não uma mera opção, baseada na opinião.
            Confluem, nessa altura de nossa exposição, duas temáticas: de um lado a idéia de que a Ordem é liberal e de outro que ela é, também, medieval. Sabe-se que isso não é um fato tranqüilo, já que a modernidade e o indivíduo liberal-iluminista combatem o medievo e tudo que vem daí. Então, que partido tomar?
            Sem a intenção de resolver essa questão, já que ela é mais ampla do que a capacidade nossa de pensá-la, circunscrevendo a esfera daqueles assuntos que só em comunidade pode ser efetivamente pensados, retornemos a nossa idéia principal: como lidar com os vários temas que pulula o cotidiano da Loja. Discorremos, então sobre o próprio ato do conhecer, descartamos a doxa (opinião) e notamos que a episteme nos faz mais humanos, conscientes de si, donos do próprio destino. Depois observamos que são três os caminhos para lidar com os vários temas: manual, aprendizado/estudo e compreenção dos temas fundamentais que dão base para a Ordem. Dos temas, que são vários, destacamos dois: Liberalismo e época medieval do quais notamos, grosso modo, ser a base, apesar das contradições, da Maçonaria. Para lidar com o excesso de temas, todos muito atraentes, notam que precisamos de uma dada forma de conduzir os trabalhos de uma Loja. Porém, antes de lançarmos a empreitada de projetar atividades culturais, projetos de pesquisa, lança-se a pergunta pelo fundamento do que é a Maçonaria. Donde surge a reflexão de ser ala Liberal, e deste modo, não ser muito pertinente qualquer projeto coletivo ou posto de um outro modo, na essência da Ordem jaz um princípio que é o culto do indivíduo e propor atividades que prezam pelo coletivo, baseado, sobretudo, na Igreja Romana, é no mínimo uma anedota.  No estilo Liberal, então, caberia a outros espaços, ou a custa do próprio Irmão, pesquisar e fundamentar a maçonaria. O que notamos aqui acolá essa práticas, em geral amadoras. Mesmo os mais famosos Rizardo da Camino, Castelani só fazem um amontoado de solipsismo, que mais parece uma peça processual do que qualquer outra coisa. Conclui-se, previamente, que não dá para ir muito longe. O atual quadro da Ordem reflete exatamente seu princípio. O seu estágio cambaleante revela duas coisas: seu fundamento e seu papel no contexto de neo-liberalismo não são mais necessários. Não cumpre mais as funções que cumpriu no passado Liberal-iluminista. Agora, em épocas de neo-liberalismo, resta a ela vaguear qual alma penada.
            Nada otimista essas observações, mas se pretendemos sair de uma prática a reboque, se quisermos pensar e não ser reprodutores dos bordões e clichês das mídias e assumir um papel relevante na construção da sociedade precisamos desatá esse nó. Evidente que a Ordem tema mais mistérios, ela não se reduz a exposição rápida que fizemos. Por exemplo, a Ordem lida com questões do humano que são universais. Se tomarmos o veio temático que faz órbita a idéia de arquétipo veremos um vale promissor de questões a ser debatida e vivida. Nesse aspecto, apesar do aparente cambaler no que toca seus fundamentos políticos institucionais, jaz nas práticas talvez a resposta do porque ela ainda não se extinguiu. Será, também, nessa instância que iremos encontrar os motivos para não concordar e com o fiasco por que passa a Ordem. As forças para propor pensar de modo sistemático as questões atinentes à Maçonaria surgem, sem dúvidas, dessa fonte que é sua capacidade formativa dos indivíduos. Da pertinência espiritual dos seus ritos.








[1]  O presente artigo faz parte das atividades de “Leituras Internas” da Academia Maçônica de Filosofia.

Comentários

Unknown disse…
A pessoa aqui mencionada aqui como mestre...é o grão Mestre que faz o ritual com a pessoa? Como se procede esse ritual?
Cídio Lopes disse…
Existe dois coordenadores das atividades. Um local e outro regional ou nacional. O que vc refere é o coordenador regional. Daí o grão... os rituais são discretos, privados dessas associações, não tem sentido falar deles fora delas.
Unknown disse…
Compreendo. Continuaremos essa conversa depois Boa noite
Unknown disse…
Muito instigante isso.mais td bem comprieendo

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