Missão como com-paixão


Síntese 5



Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida

            A idéia de missão oriunda do texto “Missão como com-paixão: por uma teologia da missão em perspectiva latino-americana”  tem dois aspectos que posso dizer tratarem um da ‘forma’ outra do ‘conteúdo’.
            No que toca ao conteúdo, “compaixão” como motor ou fio condutor da missão, é genial. Aliás, resolve grade parte de minhas inquietações no que toca ao conceito de missão centrada em um jeito de fazer Igreja que não consegue se desvencilhar da catequese ou escola dominical. Compaixão como foco da missão, certamente, como irei abordar adiante, não se trata de um credo particular, cristão, tentando se disfarçar de universal, pois a compaixão é de fato universal e, portanto, o propósito mais ecumênico e inter-religioso para se pensar uma missão.
             A segunda questão que destaco como qualificativo do texto é a pesquisa quase filológica que o autor faz em torno de vários termos como hesed, rahmim, hamal, entre outros. Preparando desse modo uma base sólida para se pensar de modo universal a partir das Escrituras. Não dá para me furtar de citar o significado da palavra hamal apresentado pelo autor: “traduz a atitude de pôr a salvo alguém que está sob ameaça ou de um castigo que pesa sobre esta pessoa. Esse sentimento ou atitude, portanto, se pode entender, em último termo, como compaixão, misericórdia.”(Zwetsch. Disciplina Temas de Missiologia. p. 5)
            Considerando, portanto, a entrada nos meandros do termo compaixão o autor apresenta algo mais. “A partir desta visão bíblica da compaixão de Deus, procurei associar duas demissões do amor de Deus, a ‘compaixão ou misericórdia e a justiça’, para chegar à idéia de “misericórdia divina” (Zwetsche. Idem. p.7) Nesse sentido, a compaixão de Deus, ainda para Zwestsche, implica incidir na história dos homens, e não se trata de mero palavrório. Pode-se dizer que o amor divino não é uma atitude d’Ele para Ele, mas que se desdobra para os filhos d’Ele e por isso mesmo implica em justiça. Não há amor sem justiça. Não há missão sem justiça.
            O amor de Deus, portanto, nos lança em mais outro passo das reflexões de Zwetsche, a saber, a cruz e suas implicações. Zwetsche toma dois conceitos da teologia de Leonardo Boff  que muito bem explica isso. A idéia de “sub contrario”[1] e “sofrimento da luta contra o sofrimento”[2]. É de profunda comoção verificar a idéia de Boff, citada por Zwetsche, em dizer que “lá onde não parece haver Deus, lá onde parece que ele se retirou: lá está maximamente Deus.” Um primeiro estágio do que podemos dizer de “cruz” enquanto um tipo de posicionamento do ser cristão. O segundo tipo é o não se comprazer com essa percepção e, após ter compaixão com o sem-poder, partir para a luta de libertação. Processo certamente muito complexo, pois os lugares onde o Poder deixa ao relento não se tratam apenas de regiões ou topografias no mapa. É comum verificarmos miserabilidade no mundo da subjetividade, o que implica uma luta não só nos moldes das revoluções armadas, mas, sobretuto, uma luta simbólica.
            No âmbito da cruz e da subjetividade, só para termos exemplo da complexidade da missão hoje, é comum o nosso modelo de sociedade do consumo querer banir o sofrimento. Sofrimento no sentido proposto pelo texto objeto da presente síntese, aquele que é a dor de abrir mão, por exemplo, do desejo insano da violência. A recusa de ser violento mesmo com nossos algozes, para não falar de várias outras dores. A dor nesse sentido é a tomada de consciência da condição humano que é limitada frente ao ilimitado[3].
            Decorre dessa percepção da cruz outro compromisso que é “uma luta pela vida”.[4] Negar essa luta é querer se aproximar de cristo apenas no ‘sábado de aleluia’. É fugir da “sexta-feira da paixão.” Por isso, e já retomando a questão de verificar acerca da inovação do conceito de missão apresentado por Zwetsche, que a compaixão pode ser considerada a forma mais apropriada de missão, pois ter compaixão não exige que outro leia antes minha cartilha. Não cobra do outro o pedágio de sorver do “meu Deus”. Compaixão é um ato universal de amor e transcende as questões dogmáticas e sectárias. Ter compaixão é proteger o outro como uma mãe faz com o filho.
            Em termos de pensar uma missão estribada pela compaixão, posso citar o Instituto Kora onde trabalho junto com minha esposa. Apesar de sermos uma clínica de Psicologia de Grupo que também promove cursos de Filosofia, nossa preocupação ‘missionária’ está estribada no trabalho da subjetividade. Obviamente que estou procurando aproximar a definição de missão de Zwetsche com uma prática ordinariamente considerada como ciência humana. Porém, compaixão permite que o trabalho sobre si, que não é exclusivo da psicanálise, tenha características cristãs. Convidar alguém a superar seus traumas é uma “atitude de ir até lá” se fazer junto e mostrar o caminho e que é possível vencer as desconfianças e caminhar. Essa empatia fundamental é o amor.
            Por outro lado, nessa missão psicanalítica também iremos encontrar os que não querem ‘entrar em contato com os lugares mais recônditos da subjetividade’, os que negam a cruz. Preferem viver alienado de si e se deixar afetada por traumas sem inscrição simbólica apropriada. Em termos teológicos, preferem se aproximar de Deus apenas enquanto esperança de Poder, mas jamais de compaixão.












[1] Cf. Zwetsche. Textos de Missiologia. p.8
[2] Cf. Idem. p.9
[3] O texto síntese não constitui espaço para tal. Contudo, a título de nota, quero registrar que a idéia de pecado original, citada no texto em síntese, não me apraz. O contexto do debate seria a transição entre o medievo e a renascença. Os termos em debate seriam a idéia de pecado original(e tudo que a Igreja fez uso desse termo para o exercício do Poder) e a retomada pelos humanistas renascentistas da dignidade humana. O livro que trata essa questão de modo resumido e bem pontual é: WOORTMANN, Klaass. Religião e Ciência no Renascimento. Brasília: Ed. Universidade de Brasília. 1997
[4] Zwetsche. Idem. p.10

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