Academia Maçônica de Filosofia - AMF3
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Sempre que desejamos falar
de fraternidade filosófica nos vem a citação abaixo:
“Ao contrário das primeiras escolas
filosóficas, que, embora leigas, tinham como modelo as seitas religiosas dos
mistérios, a Academia foi o primeiro instituto de investigação filosófica do
Ocidente. Era uma escola que pretendia, em todos os campos do saber, realizar o
ideal socrático da autonomia da razão e da ação contra a heteronomia em que se
comprazia o sofista. Por isso, a Academia rivalizava e combatia a Escola de Retórica,
do sofista Isócrates, fundada na mesma época. O ideal da educação autônoma
significa, em primeiro lugar ensinar o livre espírito de pesquisa, o
compromisso do pensamento apenas com a verdade e, em segundo, estimular a
autodeterminação ética e política. Em vez de transmitir doutrinas, a Academia
ensinava a pensar ou, como lemos no Mênon, “o dever de procurar o que não
sabemos”. Em vez de transmitir valores éticos e políticos, a Academia ensinava
a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria. Nela
prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o desenvolvimento do vigor
intelectual do estudante eram mais importantes do que as exposições escritas.”
( CHAUI. 2011; p. 226).
O
projeto da Academia Maçônica de Filosofia pretende se revisar. Após estudarmos
em nosso livro Estética e Educação em Nietzsche, nos propusemos construir na
Internet um espaço de ensino e debate que levassem em consideração nossas teses do que seria uma educação
trágica. Com essa ideia verificamos que maçonaria constitui uma instituição com
indícios dessa associação cultura, que o próprio Nietzsche tentou formar na
Germânia ou mesmo viu acontecer no projeto de Wagner em Bauhütte.
Uma
das criticas do professor Nietzsche era que no ambiente universitário de sua época
a relação entre professor e aluno se dava de modo muito frouxo. Advogava como
contrapartida uma relação entre mestre e discípulo como método mais eficaz na
formação da juventude. Guardado as proporções, o conceito de sociabilidade e as
fraternidades filosóficas manifestam em certa medida esses traços desejados
pelo filósofo.
Porém,
tais associações podem incorrer em problemas de ordem administrativa ou
epistemológica e nesse sentido a citação da Prof. Dra. Marilena Chauí nos ser
um ótimo exemplo para pensar tais “escolas”.
O elemento místico ou os mistérios podem em larga medida comprometer o
que foi o diferencial da Academia de Platão, “o dever de procurar o que não
sabemos”. Vejamos que não é a busca pela verdade, mas o que não sabemos.
O
compromisso em buscar o que não sabemos é salutar, pois a ideia de mistérios
acabam por gerar, em nossos dias, uma predileção pela alienação do consumo em
massa. Então, apregoar essa busca sem certos princípios alienantes da razão
humana é fundamental para a saúde psíquica. Outra faceta repudiável é que a
ideia de mistério transmutou-se em segredo e é quase impossível dissolver essa acepção.
O que acaba gerando no seio dessas confrarias de sociabilidade um clima de não
transparência na governabilidade ou mesmo traços fascistas de conduzir tais
coletivos.
O
mistério enquanto questões dos processos não perceptíveis pela vista e
consciência imediata, inerentes a toda realidade, acabou se transformando em
manto de acobertamento da falta de inteligência. Comumente ineptos com as
ideias tentam sem pudores se camuflarem no jargão: “não posso falar, pois é
segredo”.
Mas
a reflexão sobre tais fraternidades não se esgota com esse dado histórico.
Mesmo considerando que os mistérios foram cooptados pela cultura de massa, é preciso
retomar dois conceitos na produção do conhecimento filosófico.
A
razão é bem vinda, e a citação acima é exemplar. Porém, no binômio nietzschiano
de apolíneo e dionisíaco, temos que tomar cuidado com o expurgo do elemento
dionisíaco como tensão salutar da razão. O mistério enquanto admiração ou
encantamento com o meio ambiente é necessário para a vida humana ser dotada de
sentido. A tão falada morte de Deus, “teocídio” erroneamente creditada a
Nietzsche, é exatamente essa desencantamento do real, incluindo aí ou “outro”,
nosso semelhante.
É
preciso encaminhar para o encantamento do real, porém, sem perdermos a dimensão
do jogo de poder que constitui esse real. A história do poder é fundamental para
construirmos sociedades de fato fraternais. Saber e poder portanto precisam se
coadunar em qualquer sociabilidade, seja ela concebendo os mistérios como
vetores de estruturação ou não. Os mistérios, a busca pelo que não sabemos e o
poder democrático transparente e participativo devem ser os pilares de qualquer
projeto desse tipo.
O
projeto AMF3 é dessa metamorfose necessária. Desde o início ele não tinha
compromisso formal com esta ou aquela sociabilidade, ocorre que sempre lhe foi
sedutor a modalidade maçônica por congregar explicitamente a filosofia em seu
ponto central. Outras modalidades farão parte de nossos estudos, pois o
objetivo maior é pesquisar “modalidades trágicas de educação”.(ver nosso livro para compreender melhor o conceito de educação trágica)
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