O Muro de Trump

Ainda sobre o tema do universal e o particular: A

A propósito do “muro de Trump”.


Tenho me ocupado e mesmo me esforçado para reposicionar o fazer filosófico. Na graduação de filosofia e mesmo no mestrado em filosofia acabamos praticando um tipo de filosofia. Aprendemos e exercitamos basicamente a escrever a dissertar sobre temas filosóficos. O repertório filosófico é amplo, pode tratar de política, religião, estética (mídia, filmes, romances, teatro, etc); todos acabam por articular ideias gerais, tais como o “poder”, “a percepção”, “gosto estético”, “ética” etc.

Desse cenário generalista é que tenho me rebelado, é angustiante se ver enquanto profissional de filosofia no qual o labor dessa profissão seja apenas os comentários gerais sobre tudo; parece que estamos sempre flutuando nas nuvens ou boiando na superfície do mar. O primeiro problema é que essa definição do que é a filosofia advém de uma prática e não de uma reflexão sobre a mesma; que denominei fruto dos “professores-bem-pagos” das “Universidades de Elite”, pois são delas que saem os conteúdos publicáveis em forma de livros ou de artigos em jornais. São deles as profusões de artigos, palestras e seminários e que determina a carreira de filósofo.

 Uma aplicação desse problema do geral e do particular pode ser dada com a política. Precisamente a eleição do presidente dos United State of America (Estados Unidos da América). Tema problema levantado por José Geraldo Estevam, nosso colega de graduação em filosofia.

Desse problema tema a primeira questão, além de ser uma generalidade ou um tema distante das pessoas comuns do Brasil, me parece ser a dificuldade “conectá-la” à vida cotidiana das pessoas. Dos alunos, dos leitores e nossa mesma enquanto professores de filosofia ou filósofos. Essa ideia que nos parece ser obvia, quando olhada de perto ou quando “dividida” à maneira de René Descartes, parece ser impossível.

Conectar através de causa e efeitos tal evento à vida particular não é fácil. Em primeiro lugar, supomos relações causais. E aqui posso discorrer sobre uma possível relação entre Trump e pessoas singulares. Se consideramos os moradores de Conselheiro Lafaiete e região a eleição de Trump pode ter efeitos perceptíveis já no primeiro semestre de 2017. Qual relação existe? Oras, como região de extração e processamento de minério de ferro, sendo fonte de emprego direto para muitos lafaetenses (nascidos em Conselheiro Lafaiete), se Trump cumprir a taxação que prometeu sobre produtos advindos do exterior, como forma de priorizar os empregos dos cidadãos norte-americanos, as empresas do “quadrilátero ferrífico” irão a bancarrota. Mesmo que mercados chineses e japoneses ainda sejam grandes compradores, o Brasil tem uma relação histórica de venda de ferro para os USA. Uma taxação como a prometida em campanha, como estratégia de inviabilizar a venda do metal, iria criar o caos nessa “comodity”. Mas tais ideias ainda não comunicam muito, não consegue chegar e ser útil  ao metalúrgico que perdeu seu emprego.

Outro lugar que irá repercutir a eleição de Trump será na região de Governador Valadares. Região do Leste do Estado de Minas Gerais (Brasil) reconhecida nacionalmente como o lugar que mais se “exporta” brasileiros para trabalhar nos USA. Certamente o tema Trump interessa vivamente aqueles moradores de Valadares e regiões vizinhas; como filho da região, sei que existem vários brasileiros dessa região morando “ilegalmente” nos USA. Posto na categoria de “latinos”, certamente teremos amigos e mesmo parentes deportados entre os 2 milhões prometidos por Trump.

Nos dois casos acima citados ambos são complexos de serem acompanhados. Dependem de muitos fatores e devemos reconhecer que não conseguimos em nossas análises de filósofos prospectar todas as informações do “geral ao particular”.

Os limites do geral para o particular não estão só em coletar informações e estabelecer relações lógicas do tipo como relacionar o “muro de Trump” com bloqueios afetivos de um metalúrgico.  A questão também se põe na própria obtenção das informações. Como já aludiu Adorno (filósofo judeu-alemão do contexto da Segunda Guerra Mundial), a sociedade burguesa é por natureza fechada, ela por natureza não revela suas informações mais preciosas; portanto, prospectar uma cadeia de causa e efeitos, o que nos garantiria relacionar o geral ao particular, nesse campo é tarefa fadada ao fracasso. E como solução para conhecer efetivamente a sociedade burguesa ele já indicava o caminho da literatura como estratégia para “ler” a realidade.

Dizer para um amigo de Valadares que Trump vai expulsá-lo ainda é geral demais. Nomear as empresas que compram os tarugos de ferro da Açominas ou lhe descrever a “Mobile Bay” (Bahia que fica no Estado do Alabama; Cidade de Mobile onde se concentra fábricas de automóvel nos USA; destino de quase 100% do ferro adquirido no Brasil - Minas e Pará) por onde entra todo o ferro adquirido do Brasil, creio não somar nada na vida particular do leitor ou do nosso aluno.  

Esse desafio não é só de filósofos, os ecologistas já cunharam a expressão “pensar globalmente, agir localmente”. No caso do filósofo e de seus temas, das suas “opiniões”, o desafio é o mesmo. Como pensar o “muro de Trump” lá no México e a subjetividade? Como pensar os “muros" subjetivos, bloqueios oriundos de questões afetivas? Porque em nosso psiquismo sempre queremos expurgar o outro? Porque queremos sempre liquidar o outro? E por isso nas micro-relações nos valemos de expedientes linguísticos que deprecia amigos, parceir@s?

Creio que esse movimento conseguirá sair do mundo das nuvens e pousar na terra. Ou sair do “verbo" e se “fazer carne”.

Outro exemplo do problema da generalidade e que acaba por apagar as singularidades; e com esse apagamento um tipo de dominação das individualidades, são os filmes produzidos nos USA ou que passaram a utilizar o mesmo estilo. São filmes de catástrofes mundiais (isto é só os USA), guerras colossais, enfim, todos negando a subjetividade e concentrando nos grandes efeitos, nas generalidades. Você não se vê nos filmes ou, exemplo profundo da opressão, se sente possuído pela violência ali retratada; maquiada, linda (Angelina Jolie - Ajo Bonita?!); atrizes e atores magr@s, lind@s, dando saltos monumentais, porradas que furam paredes. Enfim, toda uma estética que nega profundamente o singular, nega mesmo a condição do humano, falsificando a própria percepção que podemos ter de nós como pessoa, corpo; músculos.  Tais filmes, que acabaram com o realismo de Bruce Lee, são máquinas de nadificação, são como “cavalos de Tróia - trojan” a serem instalados no psiquismo dos indivíduos todos os dias.

Doutro lado, a filmografia francesa com seus temas micros. “Prenda-me”, “Mate-me”, “La Loi du Marché”(traduzido como o Valor de um Homem), enfim, filmes que se concentram nas questões do micro; do indivíduo. Não só os cenários são muito mais em conta, mas os temas tocam a mim; ao sair da seção você não se sente “nadificado" anulado pelas megalomanias norte-americanas. O efeito estético não é o da angústia, mas do exame de si; da verificação imediata do tema em si.

Esse papo ainda continua, pois em Espinosa a ideia de realidade se casa bem com o problema do geral e do singular. Quanto mais sou oprimido, seja pela violência ou pelos discursos que nadificam o singular, tenho minha realidade diminuída. Sem realidade para atuar, pois ela é atacada, perco em qualidade de vida. A alegria em Espinosa é exatamente essa expansão do meu eu; que se esparrama pela “rea-lidade”. A nadificação ou o esquecimento do eu nos discursos gerais tem produzido apenas angústia, que é exatamente a opressão do tamanho do eu.






Comentários

Cídio Lopes disse…
Cremos ingenuamente que há relação lógica entre "causa e feito". Tem até aquela historinha de que é "conhecendo a árvore que se conhece os frutos". A prova cabal de que não há relação necessária entre a tal da "causa e o efeito" são os discursos políticos. O que há é apenas uma Vontade de Poder, que se dane a lógica e a fantasia de uma necessidade entre causa e efeito. Por isso "achar" que nossas prospecções argumentativas de filósofos irão mudar algo da realidade social é um engodo que aprendemos como filosofia. Ou o que é o golpe parlamentar se não a decretação grotesca do fim da falácia de que é possível dialogar? Considerando o dialogo um instrumento radicalmente formado de linguagem e baseado na ingenuidade de que a linguagem seja realidade e, portanto, fiadora de uma necessidade lógica entre partes reais em debate?
Cídio

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