A propósito de uma lusitanidade.



Recentemente, não sei como, cheguei a alguns “sitios” virtuais que tratam sobre um tal “movimento internacional Lusófono”. Se por um lado o tema me desperta o interesse intelectual, logo me veio a pergunta, própria do pensamento reflexivo que se constrói de modo lógico e dialético, quais são os propósito de tal movimento e se o mesmo apresenta-se sob quais ideias e se algo do tipo é de fato uma possibilidade ou mero reflexo dos movimentos identitários que estão reagindo aos efeitos da famigerada globalização. 

Considerando não só o cenário brasileiro, um forte ponto de ancoragem da lusitanidade, mas as problemáticas identitárias da Espanha e Catalunha, sem aqui falar de outras pelo mundo e ou mesmo da problemática contemporânea que poderíamos dizer “pós-tudo”, cheguei à pergunta: será mesmo possível uma lusitanidade?

Não seria tal intento uma projeto de “cartilha”, na qual projetamos nossas fantasias de identidades idealizadas sobre papel e tentamos institui-las através de associações, institutos? Não seria humanos tentando vergar “verbo" em “carne”, como no texto do 4˚ Evangelho? 

São dúvidas que brotam numa primeira leitura apressada dos primeiros textos encontrados a esmo. Leitura que nos leva a associar outros movimentos com esse movimento internacional lusófono,  não tão desconhecidos de nós da filosofia. 

Sou um entusiasta de pensarmos uma luso-cultura e luso-filosofia. No entanto essas aspirações não podem se prescindir da perspectiva histórica. E nesse caso a crítica para com  o caminho da tematização identitária, na forma de movimentos intelectual, tem exemplos oriundos de outros países europeus ou mesmo na América do Norte. Os movimentos que fundaram os governos de excessão na Europa, dentre os quais podemos tomar o social nacionalismo alemão, ou fascismo italiano, sem deixar de lado Franco e Salazar. O que não é uma problema exclusiva dos citados, podemos incluir vários outros movimentos no orbe terrestre que naquele momento histórico procuraram lançar “ideias" as quais deveríamos nos adequar. Idealizações que se transformavam em cartilhas a serem convertidas em vida cotidiana. Essa é a questão que pode estar subjacente ao desejo de termos uma lusitanidade como moeda de troca no “mercado globalizado”. 

Globalização que se tem provado uma lorota. Globalizaram apenas os fluxos de capitais, especialmente o fluxo que saí dos países pobres em direção aos países já ricos. A globalização tem se provado um fracasso total, pois ela não é tão amistosa nas trocas radicalmente globais e por isso mesmo uma farsa ideológica. E globalizar nada mais é que uma nova fase do "eu tomo sua riqueza" com um nova historinha. 

É  claro que a ideia de uma globalização radical parece-nos por si impossível. Como tem se mostrado insustentável essa que só globaliza formas dos países “metropolitanos" ganharem dos “emergentes”. Seja nas injeções do capital financeiro, via os famigerados “Fundos" que pagam tudo nos países emergentes, seja na modalidade das “bugigangas” tecnológicas. Dos sensores de uma linha de metrô (Alston, entre outras) à laboratórios farmacológicos, a tratores colheitadeiras de soja, a MacBook Air, somos usuários de todas as maravilhas que os milhares de derivados de petróleos tem nos legado e que em sua grande parte são “produzidos" nos países metropolitanos. Interessados desde sempre na globalização, para expandir os lucros de seus sistemas produtivos.

Jogo, o da globalização, que se mostra sempre desvantajoso para o resto do mundo. Os poucos indivíduos que se locomovem nessa globalização o fazem apenas na medida em que auxiliam nos aspectos negativos da globalização. Seja a mão de obra barata necessária nos “metropolitanos”, seja na “mão” (cérebro) de obra qualificada dos técnicos que vão para os parceiros emergentes para garantir que as parcerias rentáveis assim continuem. Sem falar no diminuto fluxo de intelectuais das periferias para as universidades metropolitanas, para apreenderem a cartilha que será reproduzida qui nas novas colônias; a colonização das ideias, do pensamento. 

Nesse contexto a emergência identitárias como vem aparecendo nos grandes centro urbanos parece ser reação ao poder “nadificador” dessa globalização. Com seu inglês como língua única, dólar como moeda, a comida rápida, etc. A emergência de pensar uma lusitanidade precisa se ater a não ser apenas uma reação desse poder nadificador. Precisa estar atenta para não cair no lugar de propor uma cartilha abstrata, idealizada do lusitano a ser perseguida. Sem dúvidas os sonhos, a fantasia são elementos importantes na construção de si como identidade, mas há uma realidade que também nos interpela. Diria Espinosa, os afetos nos afectam. E o que afeta a todos nós falantes da língua portuguesa? Idioma que já se compõe com termos e expressões múltiplas e que sob o termo língua portuguesa não podemos estar certos de tratar de um corpus homogêneo. 


Não considero minhas garatujas iniciais um balde d'água fria nas aspirações de uma lusitanidade, até porque seria falta de modéstia da minha parte pensar que ideias tão incipientes, como as que esboço nesse pequeno texto, teriam poder de colocar em cheque o volume de reflexões já em curso em torno do Movimento Internacional Lusófono.  Porém, desejo acompanhar de perto a problemática, pois para além das metodologias realistas, idealista, materialistas, culturalistas, estruturalistas, creio que há o desejo de acomodar em si a demanda existencial pela pergunta: quem eu sou? E não podemos negar que temos uma história comum, expressa não só na língua e suas variações. Certamente compartilhamos uma história oficial e muitas outras não oficial. Temos uma história emotiva, que sempre passa ao largo da razão, que tem pontos comuns. 

Se somos lusos? em termos filosóficos é sempre problemático pensar isso. Se desejamos ser lusos? certamente é honesto enquanto desejo de se definir enquanto ser vivente. O nosso ser-ao-mar me parece ser o nosso maior legado contra as intolerâncias, mas temos que tomar o cuidado de não "cartilhar"(criar princípios fantásticos) o que é ser. 


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