Definições de ética e moralismo

Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida/ L'Institut du Monde Arabe



Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida
filosofia@institutokora.org.br

Ética  moral nos remete ao termo lugar que também se faz presente na  filosofia Grega Clássica. A ética enquanto reflexão racional do “que é esse lugar(ethos)” ou a moral como preocupação dos indivíduos e sua comunidade em  inscreverem-se  nesse ou naquele ethos, delineiam em ambas o tema do lugar como sendo comum.
            Até mesmo a possibilidade de poder discutir racionalmente acerca do ethos, figura um lugar específico e que é distinto do lugar onde o “Poder” é permeado por moralismo, comum nas teocracias. Nesse contexto de poder, o pensar acerca dos princípios que orientam e inscreve a comunidade em um determinado lugar é visto como uma atitude subversiva.
            Para pensarmos o lugar no âmbito da cultura grega clássica, fonte da ética e da filosofia como modo de conhecimento, faz-se mister evocar outros termos relacionados aos ethos, digressão que irá nos permitir construir uma ponte entre o que é ethos e o sagrado enquanto lugar de uma moral ou regra de viver (nómos – lei).
            Os termos são: génos, topos(τόπος) e khôra(cwra)[1], que irei apresentado ao longo do texto e em que sentido pretendo articulá-los com a ética e a moral, mas, sinteticamente, pode-se dizer que génos é o lugar da família, topos o lugar geográfico, e khôra um tipo de espaço-lugar mais sutil que permite o “real ser” ou mesmo um tipo de espaço que possibilita as “pessoas existirem”.
            Penso que génos[2] constitui um lugar que molda a idéia de ethos na Grécia Clássica. Na sociedade rural dos primórdios das terras de Sócrates, Platão e Aristóteles, a família era uma figura muito forte e a identidade de cada indivíduo estava fundida com a de sua família. Não se concebe nesse contexto um indivíduo por si, mas ele é sempre visto segundo seu génos. De certo modo como “devo ser” já está claro pelo legado dos anciãos. Essa característica de família e identidade ser o lugar privilegiado de construção do ethos, do que “devo fazer” parece estar na própria natureza do que é ser gente, ser humano. Pode-se verificar em várias culturas e épocas que em sua fase agrária da cultura a família exerce esse lugar privilegiado de transmissão e construção dos valores morais. Indo mais a frente, a própria condição humana é um demarcar, delimitar um “lugar” e mantê-lo ao longo do tempo como elemento de identidade e existência. Cena na qual o Sagrado funciona como um recurso recorrente para construção e manutenção de uma hetero-identidade (externa). As leis morais, portanto, assume o lugar de Leis divinas; vontade de Deus.
            Da imbricação do lugar com o ethos decorre uma questão iminente: Como é possível os povos nômades ou seminômades construírem seu lugar? Sem um lugar ou topos  como foi possível a construção ou quais são as marcas dessa condição de nômades na moral de um determinado povo?
            O povo Hebreu como temos acesso na Torah ou Primeiro Testamento[3] parece ter registrado na sua história essa transição. Não só como elemento do passado, coisa que se deve esquecer. A  migração e o constante êxodo são absorvidos e passam ser constitutivos do ethos semita.
            Nesse sentido, vamos observar o curioso Deus que “caminha junto”(peleja junto) do seu povo escolhido. Inicialmente, antes da fase de fixação, os hebreus não têm um “lugar” para o culto, mas apenas o Deus que promete um “lugar”, a terra que brota leite e mel. Depois, uma “arca da aliança” parece casar bem com a necessidade de mobilidade dos seminômades e uma solução inteligente de construção de um lugar móvel. Se a invenção dos hebreus foi descolar o lugar da topografia e  carregá-lo junto consigo, não conseguiram, por outro lado, se prescindir da necessidade humana de um lugar para construção de identidade moralidade.
            Retomando a questão grega do ethos e do lugar(topos) podemos dizer que o lugar dos Hebreus assemelha-se mais com a idéia de khôra, enquanto outro tipo de espaço e lugar. Na tradição dos Filósofos o termo khôra é um estágio entre o mundo das idéias e o mundo sensível, tema clássico da filosofia de Platão. De certo modo o conceito de khôra é um hibrido, pois ele precisa dar as condições das coisas serem sem interferir nelas. Segundo a professora Marilena Chauí, khôra(chóra) é espaço “quando atravessada por corpos em movimento. Graças a essa realidade intangível e invisível, os corpos possuem um lugar e podem mover-se”. [4] Nesse sentido, o espaço  de que os hebreus se valeram parece se aproximar de khôra. O lugar dos seminômades, ainda que pareça contraditório, teve que fixar fora do topos, como lugar com um corpo presente, mais sutil nos permitindo aproximar khôra como essa categoria de espaço que tem por desafio permitir outros corpos se movimentarem. A relação no âmbito da filosofia é sempre complexa no que toca a khôra, pois o desafio desse espaço que permite outros corpos serem é não interferir neles. Porém, sem esse espaço, não há corpos em movimentos. O ethos dos hebreus parece carregar em si essa conexão com o termo khôra da filosofia de Platão.










[1] A discussão sobre Chôra, khora e Kora é longa. Para esse momento, registro que o tema encontra-se no diálogo de Platão Timeu. Nesse contexto trata-se do espaço que permite que outros corpos existam em movimento. Donde podemos pensar espaço coreográfico.
[2] Sabe que anterior aos chamados Gregos ou Helenos, houve também migrações e que, portanto, os gregos ou os povos que compuserem aquilo que viria ser gregos, também passaram por  certo semi-nomadismo que caminhou para a sedentarização. Fase de fixação que surge o génos. Adiante iremos tomar o semi-nomadismo dos hebreus como desafio de fixar a identidade em um lugar ou topos.
[3] Em termos ecumênicos chamar o Testamento dos Judeus de Antigo ou Velho ressoa que se trata de algo ultrapassado e até mesmo desqualificado. Aferindo um juízo de valor. O Primeiro Testamento pode, também, situar uma hierarquia e implicação do primeiro com o segundo, sendo o primeiro o fundamento do Segundo. Por fim, Testamento Antes da Era Com e Testamento da Era Comum parece ser o melhor, ainda que pouco usual. 
[4] Cf. CHAUÍ, M. Introdução à História da Filosofia: Escolas Helenísticas. São Paulo: Companhia das Letras. 2010. p. 100

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