Spellbound, Quando fala o Coração




RESENHA CRÍTICA DO FILME:
SPELLBOUND – QUANDO FALA O CORAÇÃO
ALFRED HITCHCOCK


“O erro não está nos astros, mas em nós mesmos”
Shakespeare
Resenha de 
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida 

A cena inicial do filme indica que haverá a substituição do diretor do hospital psiquiátrico, cenário do filme. Nele atua  como psicanalista a jovem Dra. Constance Petersen (Ingrid Bergman) e o diretor, Dr. Alexander Brulouv (Michael Chekov), que será substituído pelo Dr. Edward (Gregory Peck). Será em torno destas três personagens que o filme se desenvolverá. Propiciando ao espectador dois tipos de trama. Uma de cunho policial e outra psicanalítica.
Para os críticos de cinema o filme deixa a desejar se avaliado na perspectiva do suspense, gênero no qual Alfred Joseph Hitchcock é um clássico. Se o suspense só acontece quando o espectador possui informações importantíssimas para a trama, e que são desconhecidas pelo personagem, de fato, tanto espectador e ator desconhecem o que atua como incomodo da personagem de Gregory Peck. Ao considerarmos que esta foi a primeira obra cinematográfica a tratar da psicanálise, somos convidados a outra perspectiva e mesmo os elementos de uma trama policial convergem para outro tipo de investigação: a do inconsciente. Ajuda-nos uma consideração que é introduzida, em forma de texto, antes mesmo das cenas do filme começarem. Hitchcock nos diz:

“A nossa estória (story) é sobre a psicanálise, a ciência que estuda os problemas emocionais. O analista busca apenas induzir o paciente a falar de seus problemas mais íntimos, abrindo sua mente. Quando os problemas que afligem os paciente são descobertos a doença e a confusão desaparecem e os demônios interiores são exorcizados” (Texto apresentado logo na abertura do filme) 

Nesse sentido, logo na entrada do médico substituto em cena, Dr. Edward (Gregory Peck), a surpresa da jovialidade do mesmo estabelece os primeiros indícios de suspense, de algo não revelado, oculto também ao espectador. Um pouco antes, mais como efeito didático, a bela Dra. Constance Peteresen (Ingrid Bergman) atende uma paciente que demonstra profunda resistência ao tratamento psicanalítico e em transferência negativa. Contudo, o enigma principal irá se desenvolver na trama através da intensa procura do que aflige o Doutor recém chegado, fazendo jus a definição de psicanálise considerada pelo diretor.
Sucede a cenas iniciais do filme três acontecimentos que causam estranheza ao espectador e, com isso, sinaliza categoricamente os problemas em questão ou os motivos da trama. As cenas são:  o médico recém chegado, Dr. Edward, atende um telefonema com alguém procurando-o por outro nome; o mesmo médico escuta um paciente com “síndrome de culpa” se declarando ser culpado por de fato ter matado o pai e ficha afetado, por último, marcas sulcadas por um garfo sobre um toalha de mesa que o faz mudar de fisionomia.
O Comportamento do médico faz-nos lembrar do sintoma histérico. Podemos verificar que há um ‘esforço de vontade’ atuando no processo de esquecimento do Dr. Edward, pois ele procura dissimular que há um problema. Como nos diz Quinodoz, citando partes de Freud:

“A dissociação histérica pode ocorrer em uma pessoa que até então se encontrava ‘em bom estado de saúde psíquica’(p. 3[5])[1], e sobrevém quando ela é confrontada de súbito com “representações intoleráveis que despertam ‘afetos’ dolorosos que gostaria de ‘esquecer’.(QUINODOZ. 2007. p. 42)

Temos a explicação dos sintomas de amnésia do Dr. Edward, porém, esse recurso de resolução impede que se continue a trabalhar nas investigações do inconsciente, que conta, até o momento, com os relatos conscientes do paciente.
O aparente impasse provocado pela amnésia do paciente encontrará no sonho outro recurso para se prosseguir nas investigações do inconsciente. Através da associação livre o paciente e a psicanalista consegue inferir uma possível solução, retomando o lugar do retorno do recalque. Utilizando-se de psicodramatização, retornam a uma pista de ski, lugar para onde o sonho remetia e, segundo informações externas ao paciente, ele estivera pela última vez com seu terapeuta.  Lá, refazem o trajeto o que permite ao paciente encontrar as peças que faltavam do quebra-cabeças. Ao superar as resistências, lembra que na infância provocou a morte de seu irmão e que esse fato traumático havia retornado no presente após presenciar o acidente de seu terapeuta. Ao se dar conta dessa cena, a personagem de Gregory Peck, que nessa parte da trama sofre até mesmo de uma crise de identidade, se sente melhor e lembra-se de quem é. Opera-se a cura, como nos diz Freud:

“(...)cada sintoma histérico individual, imediata e permanentemente desaparecia quando tínhamos conseguido despertar claramente a lembrança do acontecimento que o provocara e a emoção que lhe estava associado, e quando a paciente havia descrito o acontecimento com os maiores detalhes possíveis e traduzido a emoção em palavras”. (FREUD. A Psicoterapia da Histeria. p. 31. V. II)

            Agora, sabendo de sua verdadeira identidade, Dr. John Ballentine (Gregory Peck) consegue dar outro significado para o acidente com seu terapeuta. Ele não havia matado e seu desejo de impedir o acidente o havia remetido ao drama de sua infância. Época que havia desejado assumir o lugar do irmão que morreu como forma de reparar o dano causado.
Nesse momento desvenda-se não só as questões de ordem psíquicas, mas a própria trama policial. Houve um acidente e não um assassinato, assumir o lugar do terapeuta foi um recurso reparador que o paciente havia adotado desde a infância para superar a morte que ele havia provocado do irmão. Assumir o lugar do terapeuta, portanto, foi uma patologia vinculada a sua infância e não um ato deliberado, por outras patologias, de assumir a identidade alheia.
Contudo, Hitchcock não termina a trama de modo fácil. Ele que já fizera uma aparição quase subliminar nas cenas do filme, em uma saída de elevador portanto seu indelével charuto, apronta novamente. O corpo tinha um tiro pelas costas e o Dr. Ballentine é acusado de assassinato.
Através do material fornecido pelo sonho de seu paciente, aliás composto por imagens do artista Dali, ela consegue passar de psicanalista para detetive e desvendar que o verdadeiro assassino é o médico diretor do hospital. Dr. Alexander Brulouv (Michael Chekov) tinha algumas desavenças com seu sucessor e sua substituição decorria de erros como terapeuta do hospital que dirigia. Utilizando o material do sonho do paciente, estabelece uma intricada lógica capaz de desvendar o crime.
            Enfim, o filme tem paixão, psicanálise e polícia. Ingredientes muito presente na articulação do nosso psiquismo. A paixão e a policia do filme podem, sem receios, serem tomadas como metáforas do nosso inconscientes e consciente. Em termos de construção cinematográfico é acertado falar dessas duas dimensões do psiquismo utilizando seus correlatos sociais. A experiência estética do público certamente irá experimentar em sua completude tais conceitos.

Ficha técnica
Spellbound – Quando Fala o Coração
País: Estados Unidos da América do Norte
Dirigido por Alfred Hitchcok
Gênero: Suspense
Ano: 1945
Roteiro: Hilary St. George Sanders e John Palmer
Idioma original: Inglês

Elenco:
(ator) - (personagem)

Gregory Peck - John Ballantine, também chamado Dr. Anthony Edwardes, 'J.B.' e John Brown
Ingrid Bergman -  Dra. Constance Petersen
Michael Chekhov  -  Dr. Alexander Brulov ('Alex')
Leo G. Carroll - Dr. Murchison
Rhonda Fleming -  Mary Carmichael
John Emery - Dr. Fleurot
Norman Lloyd - Sr. Garmes
Bill Goodwin - detetive
Steven Geray - Dr. Graff
Donald Curtis -  Harry
Jean Acker

Assessor de Psiquiatria:
May E. Romm, M.D.


[1] Jean-Michel Quinodoz. Ler Freud: guia de leitura da obra de S. Freud. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 42

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