Cotas Raciais

O problema maior do racismo brasileiro é seu caráter difuso e dissimulado. A força de dissimulação nunca permite que exista um embate, que o discriminado consiga tomar consciência, consiga formular aquilo que Henrique Dussel chama de “pedido de justiça”. Neste sentido um negro sempre será desqualificado para entrar não só na graduação da USP, mas em qualquer pós-graduação, onde reina os brancos de classe média paulistana. A lorota é a de sempre, própria do racista, não é qualificado. Fico pensando se Milton Santos entraria no Doutorado em Geografia na USP, onde retornou já formado para ser professor.
Junto com a marca da dissimulação e naturalização do racismo, temos ainda a incidência de outro racismo que é o de classe social. Certamente dado a origem das classes de mando serem lusitanas, fez-se sentir entre nós a ideia de seres nobres, que mandam e que há outros que executam, especialmente trabalhos manuais, mas não só. Pois em toda repartição pública podemos sentir forte que o “chefe” está mais para um Duque lidando com uma plebe. Manda-se sobre o outro com ares de ter posse sobre o outro; objeto.
Então temos o racismo de etnia e o de classe social, que em dado momento parecem coincidirem. Parece-nos que só preto é pobre e que pobre é preto. Quanto o indivíduo é pobre e pertence a outra etnia que não a oriunda da África ou que tenha ascendentes de várias etnias incluindo as africanas entre nós, ele, mesmo não portando fenótipos exclusivos africanos, acaba por ser “pretificado” e tratado como negro, isto é, como um desqualificado. 
            Nesse sentido, quando as mídias apresentam um preto médico, funde os neurônios não dos brancos racistas, que jamais irão lhe procurar, mas até mesmo do negros. A presença desses médicos, que não são guerrilheiros cubanos disfarçados, torna-se revolucionária na medida em que faz com o negro quebre a naturalização do racismo que pesa contra ele.  A revolução temida pelos sedentários e escritores de blogs se dará não em vistas de doutrinação cubana, etc. A revolução que já está em curso com políticas de distribuição de renda será consolidada quando pessoas simples verificarem que o médico, estereótipo nacional do lugar do bem sucedido e branco, que lhe atende parece com ele. Inicialmente ele própria não irá acreditar, pois são muito anos de racismos naturalizado. Faltará palavras, mas essas pessoas humildes sentirão certa sintonia com essa turma que vem chegando, que não são só cubanos.
            Ainda sobre as facetas da dissimulação do racismo brasileiro, temos a ideia da qualificação como o ponto onde se institucionalizou a exclusão racial. É senso comum que se deve ser qualificado para ocupar esta ou aquela posição na vida de trabalho. Perfeito, não há discriminação étnica. Aceitável e legalizada apenas a discriminação intelectual, pois o mais inteligente ocupa a função. Nessa conta reside o cerne do racismo brasileiro. Pois ao eleger algo da ordem da cognição e do próprio uso do fraseado escamoteia-se “fantasticamente” o racismo. Coincidentemente apenas os brancos e de escolas privadas fazem parte de uma rede de palavreados, que vão desde o inglês, a frequência de lugares, o consumo de mercadorias comuns, as viagens turísticas(inúteis sob vários pontos de vista, tendo como única utilidade a criação de um dado campo frasal), as piadas, etc.
            Temos então uma espécie de lugar de frequência, onde de certa forma o que se elege no mercado racista segundo esses lugares. Então o favelado, que também é um lugar, irá ocupar tais posições, o jovem dos jardins irá ocupar preferencialmente lugares de mando, pois coincidentemente ele frequenta e é filho dos proprietários. Portanto, não há uma real competição intelectual, o que é há são guetos culturais com o cultivo de gramáticas próprias. E na hora de fazer a competição de seleção, que do ponto jurídico deve abarcar a todos os indivíduos, ocorre a injustiça do grupo dominante cobrar como critério o fraseado de um dado guetos.
            A questão é portanto mais profunda. A produção racismo está ancorada na própria disposição geográfica das cidades, do pais. As politicas habitacionais e transportes públicos atuam no sentido de garantir esses lugares, esses habites, pois eles consistem no maior trunfo de perpetuação do racismo. Eles garantem que os “nobres” aqueles que se autoconsideram “de família” continue a garantir os seus lugares sem os demais. Cultuando “vidas paralelas” como a formula mais adequada de legalidade do racismo.
            Nesse teia racista, quando um negro ou negrificado aparece com qualificações melhores que as dos brancos, acontecem de dar curto-circuito. Vão lhe dizer que você é qualificado demais, por isso não poderão lhe contratar. O pior é que tudo isso ocorre no silêncio. É preciso botar a boca no trombone.

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