Protestos do dia 13







Quando os ânimos estão à flor da pela o mais difícil e necessário exercício é exatamente a paciência. Aliás, se a irritabilidade é a moeda corrente é claro que o seu contrário, por algum motivo, já foi banido a tempo.

A retórica que hoje vemos campear nas padarias, nos corredores, nas praças, se impõe sob um signo de emergência. E sob tal “toada" a atividades própria de humanos que é, além de pensar, a política (zoon politokón de Aristóteles) dá lugar ao instinto de rebanho ou, nos termos de Nietzsche, ao espírito gregário. Agir em rebanho ou manada, como estamos acostumados a ver na migração dos guinus nos programas de televisão, para nós humanos não traz os mesmos benefícios que aos animais na floresta. E se consultarmos a história humana, sobretudo a que toca a Segundo Grande Guerra Mundial, logo veremos que pensar em rebanho é mesmo anti-humano.

Pensar em rebanho significa para nós humanos uma certa simplificação das coisas; se deixar levar por ideias que não sabemos seu real lastro, suas consequências. E tal operação só serviu ao longo da história para se manipular grandes públicos.

Assim, nos dias de hoje, aqui no Brasil, no qual se criou o mito de pessoas “cordiais”, estamos prestes a encaminhar para o outro lado dessa moeda do povo gentil. É claro que a própria ideia de um brasileiro receptivo, alegre, festivo, não passa de uma ideia que, apesar de ter sido fundada no âmbito acadêmico, esconde os traços daquela sociedade escravocrata que persiste até os nossos dias. E não podemos deixar de frisar, a escravidão é uma violência e se faz necessário dizer, pois historicamente tal aberração foi floreada e adoçada. Os meios educacionais e de comunicação social sempre estiveram ao serviço de dissimular essa aberração, que agora eclode nas atuais tensões brasileiras. 

E para o desespero daqueles que dizem que “antigamente era melhor”, as contradições que agora se afloram não foram inventadas pelo “petê”. Elas sempre foram, isto sim, abafadas e amordaçadas. Ser discriminado por ser negro ou qualquer outro matiz de cor de pele sempre existiu no país cordial. Recebemos bem apenas os brancos, europeus e estadunidenses; mas quando os negros do Haiti, entre outros negros oriundos do continente africano, aqui procuram melhores condições de vida, isso deixa o povo cordial assustado.

A elite branca não conseguirá encetar sua fúria de ódio na execração pública de um partido e de algumas de suas figuras proeminentes. E tal fracasso não será mérito dos culpados; esse alto de fé, a exemplo dos tribunais da Inquisição da Igreja Católica Romana, não logrará purgar o ódio da plateia; pois o ódio dela é difuso e amplo. Não há, como em todo ódio de massa, uma elaboração com contorno precisos, como definição real do que é o mau; antes, temos algo difuso, nebuloso, sem fronteira precisa.  E aí é que mora o perigo da promoção do “altos de fé” de nossos dias. E a isso que movimentos e jovens despreparados estão brincando de fazer.

A classe média, como muito bem tem falado Jessé de Souza, ao desejar os ricos e correr dos pobres, fará com que o Brasil cordial vá para história das mitologias nacionais. Seu ódio social, como toda estrutura ontológica do ódio, é difuso e o seu empenho em propagar o ódio como ação política sairá do controle, desse controle que a mesma classe média gosta de ter sobre a exploração dos grandes contingentes de pobres. Todo aquele papo de “varejista” de “equipe”, “capital humano”, ela agora pensa que pode projetar isso na política e na sua “indignação" contra a corrupção como o problema mor do país.

A saída de controle desse teatro horrendo não é uma projeção ou aposta desse escriba. Ele como PT, não inventaram a luta de classe. Muito menos aquilo que ficou conhecido na Revolução Francesa como simplesmente “O Terror”. Basta lançar nossos olhares sobre a história. Seja a da ditadura civil-militar de 1964-85 ou a cena na Alemanha dos anos de 1920, 1930 e finalmente o início dos anos de 1940. Podemos ainda tomar a Itália na mesma época da Alemanha. Enfim, nesses e em vários outros cenários de ódio difuso o que aconteceu foi os promotores dos golpes perderem o controle da situação. E aí voltemos ao exemplo clássico para isso: a fase das guilhotinas ou simplesmente “O terror” na Revolução Francesa, na qual os paladinos das execuções, que procuravam o inimigo “lá no outro grupo”, serão também incriminados e guilhotinados. E se espalha uma cassa às bruxas de modo desgovernado e louco.

Recortando para nossa maldita “ditadura civil-militar”, a repressão perdeu o controle e chegou nas casas dos mesmos apoiadores; através dos seus filhos, sendo torturados e mortos. Noutro fronte, o descontrole se manifesta na rebelião de indivíduos isolados dentro dos quartéis. Para tornar a situação ainda mais insustentável, a sanha dos agentes que pagavam as contas, a saber: setores dos empresários/industriais, mostravam-se insaciáveis na obtenção de suas licenças de transporte público, licenças de exclusividade para venda de gás de cozinha, direitos minerais, etc… o poço não tinha fim; sem falar das maravilhas para os donos de concessões públicas de telecomunicações.  

O controle mostrou-se impossível seja por parte dos torturadores, movidos pela lógica do Terror, seja pelo apetite daqueles que pagaram a conta inicial da ditadura, todos querendo receber o que investiram.

Tais afirmações de financiamento civil da quartelada não é mera projeção desse professor, hoje tem vasto material comprobatório (cito os materiais produzidos pelas Comissões da Verdade), não é mera projeção ou “demonização" do opositor. Não é mito que houve participação de empresas no regime de exceção. Há provas, por exemplo, de alto-forno de empresas no Estado do Rio de Janeiro servirem como incinerador do regime ou de empresa de informação,(jornais) que forneciam carros para o regime sequestrar civis. Como há provas documentais da participação dos E.U.A no financiamento da barbárie em terras do “homem cordial”.

A fantasia que dá para fazer um golpe, que agora será jurídico-midiático, e manter a rentabilidade dos seus aplicativos; manter as viagens de compras para Mimi; manter as empregadas e o clube; fazer o Pilates pela manha, as compras no Iguatemi à tarde…é um mito que está na classe média metida a militante de política sem partido. E como amador ela desconhece toda a história, desconhece que não só “iPhone" se faz necessário estudar para saber concertar ou criar novas iguarias eletrônicas, mas política também. A sociedade é um “trem" complexo, não é coisa de amador.

Doutro lado ou do mesmo lado, mas no “camarim vip”, uma meia dúzia de políticos profissionais tentam insuflar ainda mais essa turba. E longe do mito de que o “petê" também faria parte desse grupo, esses profissionais da política e rentista ou sempre com uma “boquinha" em uma Furnas ou em verbas de publicidade estatal para suas rádios e filiais de TV, estão apostando que é possível jogar essa massa de “guinus" sobre o Estado e sobre um grande contingente de cidadãos brasileiros. A saber, o contingente de brasileiros que sempre serviu à essa elite; não dando acesso a ela nem mesmo à consciência de quem era ela. 

A classe média branca ao ser usada pelos gatunos de sempre, evidencia isso; querem na força e sem argumentos passar por sobre os pobres que nunca tiveram escola de qualidade; e muito menos acesso à cultura e lazer de qualidade, pois com a ascensão da TV o lazer foi tomado pelo entretenimento deprimente das televisões “abertas”, que são concessões públicas conseguidas lá no período ditatorial. 

Só podemos compreender o ódio que move as manifestações do domingo dia 13 se colocarmos como pano de fundo o fato de a classe dominante nunca ter superado a perda dos escravos. A base social escravocrata ainda pulsa no subsolo desse ódio contra o “petê”. A classe dominante, a exemplo do inconsciente freudiano, foi destronada e nunca elaborou essa perda traumática, perda que é repassada à classe média, como muito bem nos diz Jessé de Souza. Ao experimentar o cerceamento do consumo desenfreado, a classe média associa essa perda ou essa limitação de deleites à aquela perda escravocrata. Enquanto hipótese tal tese parece ser frutífera, pois só assim podemos compreender como um governo de São Paulo consegue fazer manobras deploráveis e mesmo assim não aparecer na mira desse ódio difuso. Além de termos que considerar, é claro, que, como noticia vários jornais virtuais, tal anonimato do PSDB tenha na sua base pagamentos pelo silêncio entre outros “dutos" de interesses entre tais governos e a grande mídia. (a mesma que emprestava carros para torturadores; amplamente documentado pelas Comissões da Verdade)  

A aposta dessa classe inconsequente é que é possível destroçar estruturas sociais consolidadas e continuara a usufruir exatamente o que só uma sociedade organizada pode nos dar. Eles fazem como aqueles curiosos de computador, que entra no “sistema" do programa e vão apagando arquivos com nomes estranhos… sem saber em que isso afeta o sistema como um todo. Ainda na metáfora do computador, certos usuários fazem tais operações exatamente na tentativa de eliminar “vírus" aparentes. Seja um “trojam” que sequestrou o “browser” dele ou que esteja fazendo o computador ficar lento. A classe média se move dessa forma, dado o vírus aparente, que é uma crise global e que envolve gigantes do mundo, tais como E.U.A, Rússia e China, se passa a apagar programas aleatórios dentro do sistema; sem se dar conta que com isso irá afetar o sistema como um todo. O problema é que na sociedade não para chamar o técnico, depois que o programa travar e não funcionar mais.

Enfim, o 13 de maio é um atentado contra o bom senso, contra a democracia. As elites e as classes medias, perderam a hegemonia política e estão apostando em perder tudo; não admitindo que seja possível um outro país; que seja possível superar a escravidão. Estão, como parte de inconsequência, brincando de “apagar" programas dentro do sistema. 

 



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