O que é sustento
O que é Sustento?
Cídio Lopes
Apresentação
Dentro de várias correntes
filosóficas temos ao menos uma que procura ligar filosofia e a vida cotidiana
das pessoas. Ela não nega a filosofia acadêmica e universitária e nem se opõe a
ela, mas apenas procura retomar antigas escolas filosóficas que eram locais de
exercícios espirituais. Importava viver segundo uma filosofia, sem preocupações
de escrever esse ou aquele tratado. Desse modo procurou utilizar três palavras
que denotasse tudo o que importa para a vida das pessoas. Chegou-se a
“sustento, saúde e sabedoria”. Como se trata da vida vivida, logo se nota que
as três dimensões nunca se apresentam em separado, mas as três ao mesmo tempo.
A ideia é simples, quando se busca pelo sustento, espera-se que a saúde esteja
boa e que seja sábio no jeito de levar a vida.
Nesse sentido de que três dimensões sejam
necessárias para se ter uma vida boa, a maneira de buscar o sustento parte de
um lugar ou melhor, de três lugares especiais. Afinal, quando chegamos nesse
mundo, chegamos com o mundo já em movimento. Pegamos carona no que já é feito.
Assim, a família, a igreja/religião e a
escola são esses lugares. Resta ainda uma forma ou caminho (método) para
olhar tanto as três dimensões, quanto os lugares em que habitamos. O método
sugerido é o do “ver”, “julgar” e “agir”.
No presente texto destaca-se o tema
do sustento para melhor analisa-lo. É uma estratégia que dizemos ser
pedagógica, pois na vida real ele está ali junto e misturado com os dois
outros.
A busca pelo sustento
A palavra sustento pode nos levar a ideia
de sustentável. Termo muito usado em nossos dias para o setor empresarial.
Todos falam que é preciso ser sustentável, ou seja, que o negócio não destrua o
meio ambiente, que faça bem aos usuários dos produtos, etc. No âmbito da
filosofia de vida a ideia passa por aí e vai um pouco além. A busca por
sustento implica certos cuidados, tais como o respeito ao meio onde estamos, e
que o sustento seja saudável para si e para os outros.
Uma definição mais ampla, sustento é
tudo o que gera e mantém a vida. Assim, os conhecimentos técnicos (como cortar
árvore), as técnicas (fazer uma casa), os instrumentos técnicos (o machado) são
objetos de quem se ocupa do sustento. Como também, as condições pessoais de
quem vai à busca do sustento. Daí podermos notar que não é possível pensar a
tríade separada. Uma dor de dentes ou qualquer outro problema de saúde
inviabiliza os demais. Quando integramos em um só lugar as três faces que
sustem a vida o que esperamos é exatamente mais força em cada uma dessas
realidades.
A família no sustento
A família é um tema corrente nos
discursos políticos e religiosas. Um dos motivos é exatamente seu lugar
estratégico em nossas vidas. Podemos debater modelos de família, mas todos
iremos concordar com o seu papel em nossas vidas.
A família pode ser a força ou a
fraqueza em qualquer empreitada. Na dimensão do sustento não seria diferente.
Sendo força ela pode contribuir de dois modos. Primeiro legando saberes que já
estão em família. Em segundo lugar, ela pode propiciar um ambiente de acolhida
e estabilidade afetiva. Os afetos em nossas vidas são a base do pensamento
racional, se eles não estiverem bem arrumados, o saber na sua forma racional
será seriamente comprometido. Se há um legado importante da família, muito mais
importante do que bens materiais, esse é o histórico dos afetos.
Se há uma estratégia importante em
buscar o sustento ela começa por se deter um pouco em como são meus vínculos
familiares. Esse exame, que conta com várias técnicas, deve ser constante e ao
longo de toda a vida; consistindo não em algo que se “concerta” e parte para
outra empreitada. Esse constante exame de si, é o meditar diário que devemos
fazer, já como um saber sobre o sentido da vida.
Será sempre um erro ignorar o papel
da família e partir para a “prática”. É claro que não dá para parar tudo, a
vida, e cuidar de cada parte primeiro e depois voltar a viver. O que implica em
fazer várias coisas juntas. Um método adequado para ensinar a buscar o sustento
ou inserir-se na vida econômica dedica ao cuidado de si, especialmente como são
meus vínculos afetivos familiares.
A Igreja no sustento
No mundo dos negócios, das grandes
corporações, creio que falar em religião não seja habitual. Contudo, os
indivíduos são pessoas e portadoras de religiosidade. Todos temos um desejo
maior do que as atividades cotidianas; um sentido sobre tudo que fazemos e somos.
A religião, que se manifesta na forma
de igrejas (eclesia = igreja =
assembleia), tem muito mais ligação com o mundo do sustento do que se imagina.
É clássica a obra de Max Weber sobre “O espírito protestante e o capitalismo”. A
experiência religiosa pode nos conduzir a se posicionar no mundo do sustento de
modo adequado ou não. Por isso dominar os conhecimentos religiosos que lhe
foram legados pela família consiste noutra estratégia fundamental ao pensar
maneiras de “ganhar a vida”.
O tema da religião é importante, como
também é um assunto muito sensível. A primeira característica dele é se
“localizar” na esfera afetiva da nossa vida. E como tal está fora do espectro
racional e quando se relaciona com esse se faz necessário todo um expediente
“diplomático” entre a razão e as emoções. Os males entendidos em torno desse
tema vital estão exatamente em não se fazer os devidos tramites de “política
internacional” entre duas entidades que mantém muitas trocas “comerciais”, mas
não são uma única entidade.
Além dessa realidade que coloca a
experiência religiosa no campo dos saberes afetivos, de gosto, de convicção, e
a razão doutro lado, na esfera do pensamento lógico, da lógica formal, da
matemática, entre outros, a religião nos lega orientações, compreensões,
juízos, sobre o que é família, o que é bom e ou mau, o que se deve ocupar na
vida profissional, pessoas que não devemos conviver, pessoas que devemos
imitar, etc.
De modo discreto e fora da visão
consciente, a religião tem até mais força em nós do que a própria família. E
não nos enganemos, basta ter nascido num pais de cultura dominante “x” que
seremos fortemente impactados por isso. Podemos dizer sem medo de errar que as
religiões são a base de qualquer Estado Moderno. Digamos que primeiro se
“instala” a religião, depois é que sem vem com as Instituições do Estado,
incluindo aí a escola.
É clássica a ideia de que os
protestantes se derem muito bem com o capitalismo e que o catolicismo não, pelo
contrário, é até fonte de “atrasos” sociais. Ideia polêmica e generalista que
apenas propaga um desejo ou uma ânsia social de querer se dar bem no mundo do
sustento. Olhado de perto tais generalidade revelam contradições as mais
variadas possíveis e não passam de “ideologias” (ideias falsas). Contudo, há
sempre uma relação entre a vida econômica e a religião e os detalhes desse
processo precisam ser analisados nas situações de cada comunidade. É preciso de
um método cuidadoso e constante na observação dessa relação. Na tradição cristã
temos vários métodos de “ler” as escrituras e de segundo o método é que vamos
poder pensar melhor a relação entre fé e “mercado”. Sem nunca se esquecer que
se tratam de realidades independentes, mas com fluxo constante de intercâmbios.
Mercantilizar a fé será um erro raso; tornar o mercado um culto de fé uma
redução fatal.
A escola na busca do sustento
A escola como conhecemos em nossos
dias é um fenômeno recente. Antes dos efeitos sociais da Revolução Francesa
(século XVIII), o conhecimento era passado no interior das famílias, nas
‘escolas’ religiosas ou associações de oficio, as guildas medievais. Claro que
lá na Grécia Antiga (século V a.C) ou ao longo de todo Império Romano podemos
verificar “escolas”. Contudo, aqueles modelos guardam diferenças com as nossas
escolas atuais, sobretudo por serem elas restritas e as nossas essencialmente
para o máximo de pessoas e como o papel social de distribuir os “cidadãos” nas
mais variadas atividades profissionais no “tecido” social.
Apesar de recente, a escola é em
nossos dias a base de quem está na direção de buscar o sustento. Ela é o lugar
em que se pode trocar de maneira mais intensiva informações e formações
variadas. Se na família a formação tem uma natureza estrutural da pessoa, na
escola ela é mais técnica, direcionada para as atividades profissionais da
vida. Os saberes da razão têm aí maior relevância, o que não implica que as
demais dimensões do humano, seus afetos, sejam deixados de nado. O pensamento
racional ganha muito com a organização escolar, mas historicamente se verifica
a mesma precisa ser um lugar de amizade, respeito, confiança, numa palavra, a
escola tem que ser amorosa.
Uma escola eficiente é baseada na
criação de um lugar amigável. No conforto da amizade conseguimos não só
“gravar” melhor as coisas, mas nos sentimos mais disponíveis para testar
novidades. A escola será marcante na medida em que envolver nos seus processos
afetividade. Os afetos, muito comuns na família e na igreja, também são
necessários aqui, pois eles são as estruturas para as informações técnicas se
assentarem. Saber algo de cor é o desejo de todo estudante; é confortável um
saber “natural” e não artificial. Para que isso ocorra as emoções necessárias
para se apropriar de uma novidade também devem ser promovidas na escola.
A Escola da Vida é uma escola dos
amigos.
O método no sustento
Método é a palavra do grego antigo
para caminho. E a partir dessa informação podemos tomar a seguinte metáfora.
Supomos numa floresta, a primeira questão que surge é se colocar num ponto
sobre o qual se tenha uma vista estratégica. Seja para subir numa montanha,
donde se tenha uma vista ampla, ou nas proximidades de um lago ou mar. A
primeira questão é saber que se precisa posicionar adequadamente, a segunda é
“qual caminho” percorrer? Se temos a noção de que é preciso prover nosso
sustento, a segunda ideia é como ou por onde começamos a agir.
Se na situação hipotética a noção de
se localizar melhor e a pergunta pelo caminho são feitas, na vida do sustento
não será diferente. Estabelecer como sustento algo errado ou utilizar
método/caminho errado são questões vitais. O caminhar pode até ser bonito, pode
haver flores na beira da estrada, porém ele não lhe levará ao ponto vital que
lhe fez colocar-se em movimento. A determinação do ponto a ser alcançado também
é muito importante.
Aqui é preciso advertir o limite da
metáfora acima. Na vida não podemos desprezar o caminhar, não podemos, por
exemplos, sermos antiético na caminhada, pois o que importa é chegar. Na vida
real e concreta é preciso ter cuidado, pois levamos para o ponto que almejamos
tudo que encontramos no caminho. Assim, precisamos ter certos cuidados no
caminhar, ele só pode ser ético. Não é possível praticar o mau aqui e esperar o
bem lá.
Se temos clara noção de que o “jeito”
que buscamos chegar no mundo do sustento é tão importante quanto ele próprio,
uma metodologia apropriada é aquela que acontece de três formas e sempre em
coletivo. É preciso “ver” onde se está. “Julgar” se o que foi estabelecido como
objetivo é isso mesmo, e se o caminho será esse mesmo e não outro e, por fim,
“agir”.
Ver, julgar e agir é uma metodologia
a ser aplicada em várias instâncias e momentos. Sua eficiência será melhor
quando dialogada com grupos de amigos que se congregam para cultivar o saber
mais apropriado de agir no mundo do sustento. O saber oriundo desse método é o
mais próximo da dinâmica da vida e por isso mesmo o que mais lhe propícia a
maneira adequada de entrar no jogo social que nunca para, mas está sempre em
movimento.
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