Filosofia e Maçonaria

Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida - Na porta principal da Catedral de Notre-Dame de Chartres, importante berço da Escola Franciscana de Filosofia. Dentre as várias imagens que adornam as laterais da porta, temos Aristóteles, Pitágoras, entre outros pensadores filósofos não cristãos. 



Já escrevemos sob vários ângulos a relação normal e histórica entre Maçonaria e Filosofia. Nesse texto faremos mais uma abordagem com a finalidade de apresentar ou indicar como devemos encarar a filosofia e uma sociabilidade baseada em filosofia.

Pois bem, filósofo não é propriamente alguém que fala bonito ou que tem frases estranhas, as quais entendo uma parte e outra não. Contudo, acho bonito aquilo, ainda que não tenha compreendido tudo.

Filosofia vai um pouco além disso. Alguém para ser filósofo não precisa cursar filosofia, é verdade, mas faz-se necessário alguns cuidados, pois fragmentos de pensamento filosófico propriamente, para serem alçados à categoria de filosofia, demanda uma vasta cultura, adquirida através de livros, entre outras formas de apreensão do conhecimento.

O caminho mais fácil é fazer um curso superior. Que dura entre 3 a 4 anos, cumprindo aproximadamente 3mil horas de estudos. Sim, não será com 6 frase a formação de um pensador.

Posto que filosofia se trata de uma longa tradição de conhecimento, falemos também onde o filósofo profissional atua. Basicamente ele é professor, será o único lugar no qual formalmente ele é considerado como tal. Contudo, dado que não há emprego por aí para filósofo, ele faz muitas outras coisas que não são sua “especialidade”. De assessor político a feirante; criador de cabras e fazedor de queijos de cabra; o filósofo é antes de tudo um fadado ao desemprego ou a ser um “uberizado” (precarizado) da vida.

Existe ainda um lugar ao sol para o filósofo, que no Brasil é quase que ser consagrado a uma renda vitalícia. Esse lugar consiste nas poucas vagas de mestrado e doutorado, que lhe dará acesso ao seleto grupo de professores doutores das “federais” e algumas “estaduais”. O que não implica certo stress e certas labutas, contudo, quando olhamos para o restante dos formados em filosofia, esses poucos lugares são os melhores empregos que um filósofo pode conseguir sendo propriamente filósofo.

Será desse lugar, que se exerce certo poder, as definições do que é filosofia. Se você entrar numa livraria, que seja de fato livraria e não papelaria, você encontrar na seção de filosofia – se tiver uma – livros que serão certamente oriundos desses filósofos de elite.

No geral a definição de filosofia que parte deles é aquela que sempre jogará em alguns temas comuns, ditos clássicos. E serão coisas entendidas por meia dúzia de “iniciados” ou ainda algo parcialmente “útil” para alguns profissionais como advogado, arquiteto, psicólogo, etc. Ou seja, um saber que é “insumo” para os saberes práticos daquelas profissões úteis.  

Se você, portanto, tomar um livro desses, dificilmente irá encontrar que a filosofia também pode “ser filosofia de vida”. É claro que tal ideia pode ser bem vulgarizada, e tornar um ridículo manual de autoajuda. Porém, para além dessa filosofia da universidade, existiu Escolas de Filosofia e elas tiveram uma vida tão longa como as Universidade da Europa, tais como Coimbra, Sorbonne, etc. E o que elas faziam?

Chegamos nessa altura em como a Filosofia é tomada no interior da Maçonaria. Existiu por longos anos, por exemplo a Academia de Platão que durou algo em torno de 800 anos, escolas de filosofia na quais você se filiava não para se tornar erudito de um dado assunto, mas para levar uma vida segundo certos princípios daquela escola.

A proposta dessas escolas foi muito confrontada com o cristianismo nascente. Grupo que era tomado como sendo mais uma escola e que era beligerante, procurando erodir as demais em função dos seus princípios; apregoando mesmo um certo irracionalismo diante os argumentos mais evidentes da cultura “helênica” amplamente cultivada pelas elites sociais daqueles séculos I, II e III d.C.

O embate entre cristianismo e tais escolas, maioria delas de linhagem estoica, se deu exatamente pela natureza dessas escolas. Elas não ensinavam apenas ideias legais, que se lia e nada mais. A proposta era exatamente se pautar segundo os princípios dessa ou daquela escola. Cada uma tinha lá o que se deveria ser feito. A estoica, por exemplo, apregoava uma certa estabilidade diante das intempéries da vida. Manter-se emocionalmente estável diante por exemplos as “angústias” que a vida nos produz.

Poderia citar outras, mas a ideia fundamental é a de um principio, que era amplamente articulado em termos de ideias, orientador da vida como um todo de seu “aluno”.

A Maçonaria tem sua origem, documentalmente, muito tempo depois. Podemos dizer ali por volta de 1720  d.C. como referência. Contudo, ela de algum modo procurou reproduzir aquele modelo das antigas escolas de filosofia. Outra referência para tal pode ser largamente encontrado no contexto do movimento cultural filosófico denominado “Iluminismo”.

Para os “trouxas”, para utilizar uma brincadeira da ficção Harry Potter, tal realidade é totalmente desconhecida. E por isso mesmo a vaga de caluniadores que pululam pela internet. Se temos um debate a ser feito entre cristianismo e maçonaria ele deve ser feito unicamente no entorno dessas ideias e escolas. Não possível fazer em torno de uma “Instituição Maçonaria”, que outrora possivelmente fez coro a grupos protestantes ou iluministas franceses que revidaram às barbáries milenares da Igreja Católica. Tal ideia não procede pelo simples fato de que não há uma Instituição maçônica que seja de fato uma coisa existente ao longo de tanto tempo. Não houve uma continuação jurídica e os modelos de organização são por demais fluídos. Não é possível falar numa maçonaria como podemos falar do “Santo Oficio”, famosa inquisição. O que move a maçonaria foi e é muito mais ideias, princípios filosóficos. Não se consegue dizer que as Lojas dos EUA foram uma decorrência missionaria da Maçonaria Inglesa, como foram as Igrejas Católicas espalhadas por todo o Brasil. Em termos institucionais a Igreja Católica tem e teve um poder de “instituir” que a maçonaria jamais passou perto. A maçonaria é por natureza “anárquica” que se apresenta como se fosse uma “ordem”; ordem no sentido forte como Ordem de São Bento, Ordem dos Frades Menores – Franciscanos.

Portanto, o terreno para o embate e debate deve ser revisto e posto no âmbito das ideias. Coisa que já ocorreu na história. Sendo que o resultado foi uma certa usurpação, por parte da Igreja Católica, segundo Pierre Hadot, daquelas práticas estoicas de meditação em benefícios dos cristãos. Sendo os famigerados “exercícios espirituais” de Santo Inácio de Loyola uma prova viva disso.

Sendo assim, filosofia e maçonaria não coisa doutro mundo. É uma forma de cultivar ideais, portadores de natureza dita filosófica. Exatamente para escapar de uma mera inculcação de frases bonitas; fugindo com isso da ideia de um catecismo burro. É filosófica exatamente por distinguir de autoajuda, de ideologias. A filosofia tem uma natureza que implica em pensar, em manter e cultivar a liberdade individual. Cada ideia é passível de ser reconstruída e, na sequência, adota ou não pela pessoa. Sem essa marca é falsa filosofia. Filosofia feita às pressas vira ideologia, é como vinagre e vinho.

O que se faz toda semana na Maçonaria? Justamente se medita pequenas partes de um sistema filosófico maior. Vai-se absorvendo filosofia na medida e na velocidade de cada indivíduo. E para isso tem-se uma técnica; tem-se que cuidar do ambiente; da convivência entre os vários estudantes; tem que celebrar a vida aos poucos... e não viver toda ela e só lá no final fazer a celebração.

Enfim, filosofia de vida é isso. O resto é ideologia e sub-utiliza o pensamento das pessoas.  


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