Filosofia e Maçonaria
Já
escrevemos sob vários ângulos a relação normal e histórica entre Maçonaria e
Filosofia. Nesse texto faremos mais uma abordagem com a finalidade de
apresentar ou indicar como devemos encarar a filosofia e uma sociabilidade
baseada em filosofia.
Pois
bem, filósofo não é propriamente alguém que fala bonito ou que tem frases
estranhas, as quais entendo uma parte e outra não. Contudo, acho bonito aquilo,
ainda que não tenha compreendido tudo.
Filosofia
vai um pouco além disso. Alguém para ser filósofo não precisa cursar filosofia,
é verdade, mas faz-se necessário alguns cuidados, pois fragmentos de pensamento
filosófico propriamente, para serem alçados à categoria de filosofia, demanda
uma vasta cultura, adquirida através de livros, entre outras formas de
apreensão do conhecimento.
O
caminho mais fácil é fazer um curso superior. Que dura entre 3 a 4 anos,
cumprindo aproximadamente 3mil horas de estudos. Sim, não será com 6 frase a
formação de um pensador.
Posto
que filosofia se trata de uma longa tradição de conhecimento, falemos também
onde o filósofo profissional atua. Basicamente ele é professor, será o único
lugar no qual formalmente ele é considerado como tal. Contudo, dado que não há
emprego por aí para filósofo, ele faz muitas outras coisas que não são sua “especialidade”.
De assessor político a feirante; criador de cabras e fazedor de queijos de
cabra; o filósofo é antes de tudo um fadado ao desemprego ou a ser um “uberizado”
(precarizado) da vida.
Existe
ainda um lugar ao sol para o filósofo, que no Brasil é quase que ser consagrado
a uma renda vitalícia. Esse lugar consiste nas poucas vagas de mestrado e
doutorado, que lhe dará acesso ao seleto grupo de professores doutores das “federais”
e algumas “estaduais”. O que não implica certo stress e certas labutas,
contudo, quando olhamos para o restante dos formados em filosofia, esses poucos
lugares são os melhores empregos que um filósofo pode conseguir sendo
propriamente filósofo.
Será
desse lugar, que se exerce certo poder, as definições do que é filosofia. Se
você entrar numa livraria, que seja de fato livraria e não papelaria, você
encontrar na seção de filosofia – se tiver uma – livros que serão certamente
oriundos desses filósofos de elite.
No
geral a definição de filosofia que parte deles é aquela que sempre jogará em
alguns temas comuns, ditos clássicos. E serão coisas entendidas por meia dúzia
de “iniciados” ou ainda algo parcialmente “útil” para alguns profissionais como
advogado, arquiteto, psicólogo, etc. Ou seja, um saber que é “insumo” para os
saberes práticos daquelas profissões úteis.
Se
você, portanto, tomar um livro desses, dificilmente irá encontrar que a
filosofia também pode “ser filosofia de vida”. É claro que tal ideia pode ser
bem vulgarizada, e tornar um ridículo manual de autoajuda. Porém, para além
dessa filosofia da universidade, existiu Escolas de Filosofia e elas tiveram
uma vida tão longa como as Universidade da Europa, tais como Coimbra, Sorbonne, etc. E o que elas faziam?
Chegamos
nessa altura em como a Filosofia é tomada no interior da Maçonaria. Existiu por
longos anos, por exemplo a Academia de Platão que durou algo em torno de 800
anos, escolas de filosofia na quais você se filiava não para se tornar erudito
de um dado assunto, mas para levar uma vida segundo certos princípios daquela
escola.
A
proposta dessas escolas foi muito confrontada com o cristianismo nascente.
Grupo que era tomado como sendo mais uma escola e que era beligerante,
procurando erodir as demais em função dos seus princípios; apregoando mesmo um
certo irracionalismo diante os argumentos mais evidentes da cultura “helênica”
amplamente cultivada pelas elites sociais daqueles séculos I, II e III d.C.
O
embate entre cristianismo e tais escolas, maioria delas de linhagem estoica, se
deu exatamente pela natureza dessas escolas. Elas não ensinavam apenas ideias
legais, que se lia e nada mais. A proposta era exatamente se pautar segundo os princípios
dessa ou daquela escola. Cada uma tinha lá o que se deveria ser feito. A
estoica, por exemplo, apregoava uma certa estabilidade diante das intempéries
da vida. Manter-se emocionalmente estável diante por exemplos as “angústias”
que a vida nos produz.
Poderia
citar outras, mas a ideia fundamental é a de um principio, que era amplamente articulado
em termos de ideias, orientador da vida como um todo de seu “aluno”.
A
Maçonaria tem sua origem, documentalmente, muito tempo depois. Podemos dizer
ali por volta de 1720 d.C. como
referência. Contudo, ela de algum modo procurou reproduzir aquele modelo das
antigas escolas de filosofia. Outra referência para tal pode ser largamente
encontrado no contexto do movimento cultural filosófico denominado “Iluminismo”.
Para
os “trouxas”, para utilizar uma brincadeira da ficção Harry Potter, tal realidade é totalmente desconhecida. E por isso
mesmo a vaga de caluniadores que pululam pela internet. Se temos um debate a
ser feito entre cristianismo e maçonaria ele deve ser feito unicamente no
entorno dessas ideias e escolas. Não possível fazer em torno de uma “Instituição
Maçonaria”, que outrora possivelmente fez coro a grupos protestantes ou
iluministas franceses que revidaram às barbáries milenares da Igreja Católica. Tal
ideia não procede pelo simples fato de que não há uma Instituição maçônica que
seja de fato uma coisa existente ao longo de tanto tempo. Não houve uma
continuação jurídica e os modelos de organização são por demais fluídos. Não é
possível falar numa maçonaria como podemos falar do “Santo Oficio”, famosa
inquisição. O que move a maçonaria foi e é muito mais ideias, princípios filosóficos.
Não se consegue dizer que as Lojas dos EUA foram uma decorrência missionaria da
Maçonaria Inglesa, como foram as Igrejas Católicas espalhadas por todo o
Brasil. Em termos institucionais a Igreja Católica tem e teve um poder de “instituir”
que a maçonaria jamais passou perto. A maçonaria é por natureza “anárquica” que
se apresenta como se fosse uma “ordem”; ordem no sentido forte como Ordem de São
Bento, Ordem dos Frades Menores – Franciscanos.
Portanto,
o terreno para o embate e debate deve ser revisto e posto no âmbito das ideias.
Coisa que já ocorreu na história. Sendo que o resultado foi uma certa usurpação,
por parte da Igreja Católica, segundo Pierre Hadot, daquelas práticas estoicas
de meditação em benefícios dos cristãos. Sendo os famigerados “exercícios
espirituais” de Santo Inácio de Loyola uma prova viva disso.
Sendo
assim, filosofia e maçonaria não coisa doutro mundo. É uma forma de cultivar
ideais, portadores de natureza dita filosófica. Exatamente para escapar de uma
mera inculcação de frases bonitas; fugindo com isso da ideia de um catecismo
burro. É filosófica exatamente por distinguir de autoajuda, de ideologias. A
filosofia tem uma natureza que implica em pensar, em manter e cultivar a
liberdade individual. Cada ideia é passível de ser reconstruída e, na
sequência, adota ou não pela pessoa. Sem essa marca é falsa filosofia.
Filosofia feita às pressas vira ideologia, é como vinagre e vinho.
O
que se faz toda semana na Maçonaria? Justamente se medita pequenas partes de um
sistema filosófico maior. Vai-se absorvendo filosofia na medida e na velocidade
de cada indivíduo. E para isso tem-se uma técnica; tem-se que cuidar do ambiente;
da convivência entre os vários estudantes; tem que celebrar a vida aos
poucos... e não viver toda ela e só lá no final fazer a celebração.
Enfim,
filosofia de vida é isso. O resto é ideologia e sub-utiliza o pensamento das
pessoas.
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